RELIGIÃO
A ligação especial de Carlo Acutis, o santo millenial, com o Brasil
Considerado ''padroeiro da internet'' e ''ciberapóstolo'', jovem italiano beatificado em 2020 devido a milagre ocorrido em solo brasileiro será canonizado este mês pela Igreja CatólicaPublicado em: 16/04/2025 22:53
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Carlo Acutis foi responsável pela criação e organização de "exposição on-line" que compila milagres eucarísticos ao redor do mundo (foto: Arquivo) |
Pouco antes de Carlo Acutis ser canonizado pelo Vaticano e se tornar o primeiro santo millennial da história da Igreja Católica, no próximo 27 de abril, partes do corpo dele, relíquias de primeiro grau, e peças de roupa, de segundo grau, viajam pelo Brasil — país com o qual tem uma ligação especial, conforme conta ao Correio o padre da Diocese de Taubaté Rodrigo Natal, autor do livro São Carlo Acutis: uma estrada para a santidade.
Apesar de nunca ter pisado em terras brasileiras em vida, foi um milagre atribuído ao jovem italiano ocorrido em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que rendeu a ele o título de beato, fornecido pela Igreja Católica em 2020.
Nascido em Londres, na Inglaterra, em maio de 1991, Carlo Acutis foi criado em Milão, na Itália. Desde muito novo, tinha “coração muito sensível às coisas religiosas”, como explica padre Rodrigo, e, durante os poucos anos que viveu, se mostrou ferrenhamente dedicado a uma jornada de fé material e virtual.
Durante a breve adolescência, foi responsável pela criação de um site, ativo até hoje, em que organizou uma espécie de “exposição on-line”. Ali, compilou milagres eucarísticos — eventos sem explicação científica que envolvem a Eucaristia, ou seja, pão e vinho que para fiéis católicos representam o corpo e o sangue de Jesus Cristo — ocorridos ao redor do mundo. Em muitos deles, por exemplo, pedaços consagrados de pão, conhecidos como hóstias, sangraram ou se transformaram, inexplicavelmente, em pedaços de carne humana retirada do coração.
Em 2006, aos 15 anos, Carlo morreu em consequência de uma leucemia. Apelidado pelo padre e por fiéis devotados a ele como “ciberapóstolo da Eucaristia”, o jovem, que “viu o advento da internet surgir”, usou do meio digital como “ferramenta de evangelização”.
Ligação com o Brasil
Carlo morreu no dia 12 de outubro — data em que se comemora a virgem padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Em 2020, dois dias antes do aniversário de morte e da celebração, foi beatificado devido ao reconhecimento de um milagre ocorrido em solo brasileiro em 12 de outubro de 2013.
Padre Rodrigo conta que a santificação é um processo demorado e muito bem acompanhado pela Igreja Católica. “Para ser declarado beato e santo, se espera, se divulga muito a vida, para as pessoas pedirem intercessão”, explica.
Foi isso que ocorreu na Paróquia São Sebastião, em Campo Grande. A família de uma criança chamada Matheus, que tinha uma malformação rara no pâncreas que a impedia de se alimentar de forma adequada e provocava vômitos constantes, foi a uma missa em que seria exposta uma relíquia de Carlo Acutis. Ao tocar em uma peça de roupa do jovem italiano, o menino pediu para que pudesse parar de vomitar.
Apesar da comoção dos familiares, ninguém esperava que, quando a criança voltasse para casa naquele dia, comesse e de fato não vomitasse mais. Exames médicos feitos em seguida confirmaram que o órgão do menino, antes em posição anular, estava em posição normal, sem que houvesse explicação para a mudança.
A cidade em que ocorreu o milagre se prepara para receber, na próxima segunda-feira (21/4), uma peça de roupa que pertenceu a Carlo, considerada uma “relíquia de segundo grau” — que, junto a outras memórias do beato, vem percorrendo estados do Brasil durante as últimas semanas, em preparação à festa de canonização. Além disso, uma parte do corpo do jovem fica exposta de forma intermitente em uma igreja brasileira, a Paróquia Universitária Beato Carlo Acutis, em São Paulo.
“A devoção ao Carlo já se espalhou não só em meio a adolescentes e jovens, mas em relação ao Brasil”, afirma Rodrigo. “Também podemos afirmar que ele tinha um carinho com os brasileiros.”
Ao Vatican News, a mãe do jovem, Antonia Salzan, ainda viva, contou que não entendia a relação do filho com o país latino-americano. “Carlo nunca foi ao Brasil, mas tem esta ligação muito forte”, disse à época do processo de beatificação. “Ele morreu no dia de Nossa Senhora Aparecida, está numa Paróquia (na Itália) em que o padre é brasileiro, se chama Carlo, tem as irmãs capuchinhas brasileiras que estão cuidando do Carlo, e o milagre que está sendo avaliado é no Brasil. Eu não entendo.”
Relíquias
De acordo com Rodrigo, as relíquias de primeiro grau são partes do corpo do santo, como pedaços de unhas, ossos e fios de cabelo. “Quando foi exumado, o corpo de Carlo tinha muitas partes conservadas, não todas, mas muitas partes, por isso que está exposto em Assis”, esclarece.
Do corpo exposto de moletom, calça jeans e tênis Nike em uma igreja da cidade italiana onde o jovem sempre quis ficar após a morte — devido a devoção a São Francisco de Assis —, alguns elementos foram separados para viajar o mundo em busca de novos milagres.
Além deles, relíquias de segundo grau — ou seja, “objetos que a pessoa usou, como roupas, capacete, caderno” — e de terceiro — “tecido que tocou no corpo ou em alguma relíquia de primeiro grau” — são importantes para os fiéis, por se tratar de sinal físico da existência de alguém capaz de interceder na realização de eventos sem explicação.
“Nós somos muito simbólicos”, explica o padre. “A relíquia acaba sendo um sinal desse intercessor que temos no céu junto de nós.”
Processo de canonização
Se, a partir de uma oração em que se pediu a intercessão de alguém falecido, ocorre um milagre reconhecido pela Igreja Católica, inicia-se um processo de beatificação.
“Primeiro se reconhece que são pessoas virtuosas — a diocese, o Vaticano”, esclarece Rodrigo. Daí, se apura e estuda a vida da pessoa mais de perto, a fim de assegurar que não houve nada, durante o tempo de permanência da pessoa na Terra, que fosse contrário à fé católica.
“Uma das primeiras coisas que a Igreja pediu para estudar foi exatamente o computador do Carlo”, informa. “Nada encontrou que o desabonasse.”
“Menino centrado”, como descreve o padre, todas as pesquisas feitas por ele foram acerca de temas íntegros e sobre nada que ofendesse a religião. “A gente sabe que a internet é uma ferramenta que pode ser utilizada para o bem e para o mal”, enfatiza o religioso.
Depois, são investigados exames médicos que comprovem que não é possível explicar, por meios científicos, o fato — no caso, a cura — que ocorreu em decorrência da intercessão. “Não é a Igreja que diz, é a medicina, a partir de instâncias clínicas, laudos e testemunho pessoal dizendo que rezou e pediu intercessão. Não é inventado, é apurado.”
Após a beatificação, a canonização vem depois de um segundo milagre reconhecido. O de Carlo veio em maio de 2024, desta vez na Itália.
A jovem costa-riquenha Valeria Valverde sofreu um acidente em 2022, enquanto, aos 21 anos, passeava de bicicleta em Florença, onde estudava. Devido a um traumatismo craniano severo, a menina, em coma, teve osso do crânio retirado e poderia morrer a qualquer momento, conforme a equipe médica informou à família dela.
A mãe de Valéria, em oração, pediu a intercessão de Carlo Acutis pela vida da filha, em uma peregrinação ao túmulo do beato. No mesmo dia, contra expectativas médicas, a menina voltou a respirar de forma espontânea e, no dia seguinte, médicos registraram recuperação da mobilidade de membros superiores e da fala dela, de forma parcial.
Dez dias depois, já fora da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a jovem passou por exames que revelaram o desaparecimento da hemorragia no crânio. Pouco mais de um mês após a oração da mãe, passou por terapia de reabilitação que durou apenas uma semana, antes de se curar de forma completa, novamente sem explicações científicas.
“Santo do nosso tempo”
A canonização de Carlo está prevista para ocorrer no próximo domingo (27/4), festa da misericórdia — primeiro depois da Páscoa — durante o Jubileu dos Adolescentes, que ocorre entre os dias 25 e 27 de abril, em Roma. Após essa data, ele será o primeiro santo millennial — termo utilizado para designar pessoas nascidas entre 1980 e 1995 — da história da Igreja Católica.
“Já é alguém do nosso tempo, um jovem do nosso tempo”, explica Rodrigo. Apesar de ser um pouco mais velho do que o beato italiano que usa Nike e calça jeans, o padre conta sobre como se encantou pela história de vida de alguém tão novo.
“Eu entrava nas redes sociais, aparecia conteúdo dele pra mim”, relembra o religioso, que, como Carlo, também usa a internet para evangelizar e tem mais de 131 mil seguidores no Instagram. “Eu acolhi muito como um sinal, eu não sabia quem era, ele não tinha sido beatificado, e fui procurar conhecer.”
Daí nasceu São Carlo Acutis: uma estrada para a santidade, de uma vontade de seguir, como ele, passos simples para atingir a santificação — uma vez que o jovem italiano “entendeu com poucos anos de vida o caminho para viver de uma vida de forma mais leve”. No opúsculo, livro de bolso, portanto, o padre estabelece 15 passos — em referência aos 15 anos vividos pelo beato — que envolvem práticas do catolicismo inspiradas pelo menino.
De estar presente em missas diárias desde os 7 anos de idade, quando fez a primeira comunhão, a pegar da própria mesada semanal para ajudar pobres, sem-teto e imigrantes, Carlo vivia, segundo padre Rodrigo, “práticas muitos simples da fé católica”, que teoricamente todos os fiéis deveriam viver, “mas que um menino de 15 anos vem para nos acordar”.
Responsável por paróquia da diocese de Taubaté, no interior de São Paulo, que carrega o mesmo nome da igreja em que ocorreu o primeiro milagre atribuído a Carlo Acutis, em Campo Grande — São Sebastião —, o pároco Rodrigo Natal reforça a ligação espiritual do quase santo a não apenas crianças, adolescentes e brasileiros: “E tenho certeza de que o Carlo não é um santo só para jovens, é um santo para os nossos tempos”.
Confira as informações no Correio Braziliense.