CINEMA

A natureza no controle

Narrativamente sólido e visualmente tão impressionante quanto os antecessores, 'Planeta dos macacos: O reinado' avança nos temas e abre boas portas para futuro da saga

Publicado em: 09/05/2024 06:00 | Atualizado em: 10/05/2024 16:16

 (Ambientação pós-apocalíptica e efeitos de captura de movimento são destaque no 4º filme da nova franquia. Disney/Divulgação)
Ambientação pós-apocalíptica e efeitos de captura de movimento são destaque no 4º filme da nova franquia. Disney/Divulgação
Para toda uma geração, o clássico O planeta dos macacos pode parecer um horizonte inalcançável de surpresas e pioneirismo visual – e não é por menos. O filme lançado em 1968 e protagonizado por Charlton Heston está entre as mais influentes ficções científicas do cinema e permanece eficaz ainda hoje mesmo com a evolução digital posterior. A essa altura, porém, não soa exagerado afirmar que a saga iniciada em 2011 com Planeta dos macacos: A origem – seguida em 2014 por Planeta dos macacos: O confronto e em 2017 por Planeta dos macacos: A guerra – é, em seus próprios termos, tão instigante e impressionante quanto o original.

O trabalho dos diretores Rupert Wyatt e Matt Reeves (do primeiro e do segundo/terceiro filme) contando a jornada de César – o chimpanzé de laboratório com inteligência extraordinária que iniciava um levante entre os macacos, enquanto a humanidade definhava pelo mundo por um vírus mortal – é emocionalmente tão cheio de densidade e relações diretas com questões complexas do mundo dos humanos que a expectativa acerca de Planeta dos macacos: O reinado, em cartaz, vem também com alguma desconfiança, mas provavelmente será atendida.

A trama deste quarto episódio se passa gerações após a batalha do terceiro filme, com os símios vivendo em distintas comunidades e linguagem vocal plenamente evoluída e as construções humanas totalmente tomadas; os humanos que sobraram vivem como primatas tentando sobreviver em ruínas. Nesse cenário, um jovem macaco chamado Noa (Owen Teague) tem seu clã sequestrado e sua vila brutalmente destruída por um grupo liderado pelo bonobo Proximus (Kevin Durand), dito devoto de César e que utiliza as palavras dele para escravizar outros grupos de macacos.

Enquanto A origem lidava com os efeitos da alteração genérica, O confronto mostrava a impossibilidade diplomática de dois grupos cheios de ódio um pelo outro e A guerra explorava a insanidade do extermínio em massa e os extremos a que o medo da aniquilação da espécie pode nos levar. Passada essa fase, portanto, de embates entre humanos e símios, O reinado curiosamente retoma o conceito de inversão de papeis trazido lá no filme de 1968, mas, dessa vez, pelo ponto de vista dos macacos. Aqui boa parte dessas tensões vistas nos demais capítulos se dilui em função das ideias sobre fundamentalismo colocadas na figura do vilão Proximus, levantando questões importantes sobre o legado de César e deixando um bom gancho para continuações desenvolverem acerca do instinto humano de reconstrução. 

O diretor Wes Ball (da trilogia Maze Runner) foi uma boa escolha para o projeto, sobretudo pela sua provada competência e desafetação em sequências de ação de pequena, média e grande escala. Os efeitos de captura de movimento, que transformam atores em chimpanzés, bonobos e orangotangos, seguem assombrosos em seu fotorrealismo. A ambientação pós-apocalíptica possui um senso de contemplação particularmente cuidadoso também, embora Ball não tenha a mesma expressividade dramática de Matt Reeves na condução dos momentos mais íntimos entre os personagens – e é bem verdade que os conflitos deles, por mais funcionais que sejam, não possuem a mesma complexidade moral e emocional dos três longas anteriores.

Surpreende, ainda assim, que Planeta dos macacos: O reinado encontre na nova saga não apenas fôlego suficiente para sustentar uma narrativa autônoma e eficaz em suas provocações – mesmo sem desenvolvê-las plenamente –, mas para abrir caminhos futuros sem soar caça-níquel. As duas coisas já são uma proeza.