TEATRO

A mulher, o corpo e a terra

Em releitura que ressignifica e questiona texto original, atrizes pernambucanas encenam a partir de amanhã quatro apresentações do espetáculo'O estopim dourado', no Teatro Hermilo Borba Filho

Publicado em: 08/05/2024 06:00 | Atualizado em: 07/05/2024 17:10

 (Foto: Débora Oliveira)
Foto: Débora Oliveira

Um olhar criticamente feminino sobre o texto 'João sem Terra', de Hermilo Borba Filho, chega ao palco do Teatro com o nome do autor pernambucano a partir de amanhã e segue até o domingo. Resultado do projeto Terra Corpo Feminino, vencedor do Edital Prêmio de Pesquisa O Aprendiz em Cena/2023, o espetáculo gratuito O estopim dourado é encenado pelas atrizes pernambucanas Anny Rafaella Ferli, Gardênia Fontes e Taína Veríssimo e faz uma releitura do material original de escrita masculina pelo ponto de vista das três mulheres. Na quinta e na sexta-feira, a peça começa às 20 horas, enquanto no sábado e no domingo, às 19.

 

Nessa releitura do texto de Borba Filho, um acontecimento levanta questionamentos e críticas entre as mulheres que conviviam com um homem apegado à sua terra intocada e mantinha uma conduta problemática com aquelas com quem convivia. Territórios individuais e o inconsciente coletivo dessas mulheres são conectados pelas três atrizes em cena e, tomadas pela fonte profunda da terra, responsável pelos seus ciclos de expansão e reinvenção, suas histórias serão debatidas em todas as possibilidades de sua natureza, sabedoria e soberania feminina.

 

Projeto que surge da amizade das três atrizes, que cursaram Artes Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e sempre quiseram escrever, produzir e atuar juntas, O estopim dourado é fundamentado no estudo dos Cadernos SELVAGEM, de Sandra Benites (Guarani Nhadeva) sobre o conceito de "Corpo-território". As vivências, portanto, de uma mulher indígena, são o alicerce sobre o qual Anny, Taína e Gardênia construíram esse diálogo que inclui diversos estilos teatrais, com o uso de máscaras, mamulengo, corporeidades e música ao vivo.

 

Como o texto é ambientado em um espaço rural, vários conflitos familiares relativos à questão do uso da terra, da preservação ambiental, da valorização da natureza, dos processos de industrialização, do assédio, entre outros tópicos temáticos, são trazidos por essa releitura, que altera praticamente todos os diálogos do original e repensa seus códigos a partir da dimensão feminina. Hermilo trazia o personagem de João, mostrando o valor atribuído ao seu pedaço de terra que o impedia de transformá-la numa terra cultivada, cavada, mexida. Havia no texto uma correlação clara entre a posse da terra e a posse dos corpos femininos, não obstante - ideia que as atrizes contrapõem através da pesquisa Terra Corpo Feminino, que culminou no espetáculo.

 

“A nossa pesquisa para construção do espetáculo traz o conceito de ‘corpo-território’, base da cultura indígena Guarani, onde o corpo da mulher é compreendido como parte do corpo da terra, a fim de ressignificar as relações que se estabelecem tanto com a terra, quanto com as mulheres. A partir dos ensinamentos de Sandra Benites (Guarani Nhandewa), e a narrativa indígena sobre Nhandesy, figura feminina associada à própria terra, é possível trazer para cena um outro entendimento sobre como as mulheres e a terra podem ser vistas. Tendo em vista que Hermilo Borba Filho foi um dramaturgo e diretor que realizou um importante trabalho de inserção e valorização do mamulengo em suas iniciativas teatrais, nós exploramos também em cena a linguagem do mamulengo, realizando uma interlocução entre bonecos e atrizes”, detalham Anny Rafaella Ferli, Gardênia Fontes e Taína Veríssimo. “Temos uma relação afetiva muito forte e cada uma foi completando a outra a partir de nossas próprias vivências. Fizemos tudo, da produção à dramaturgia. E tem sido incrível”, completa Anny.