Previdência

Pernambucanos lesados em fraude do INSS relatam martírio para suspender descontos: ''Quebrou muito minhas pernas''

Esquema criminoso teria lesado aposentados e pensionistas em R$ 6,3 bilhões com cobranças de mensalidades associativas não autorizadas

Publicado em: 01/05/2025 06:00 | Atualizado em: 30/04/2025 20:07

Pernambucanos acionaram a Justiça após identificarem os descontos e não conseguirem a suspensão. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Pernambucanos acionaram a Justiça após identificarem os descontos e não conseguirem a suspensão. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A fraude bilionária descoberta no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com descontos irregulares em beneficiários afetou também os pernambucanos. No estado, os aposentados que identificaram as retiradas indevidas nos extratos acionaram a justiça solicitando indenização por danos morais.
 
A agricultora Maria da Conceição Alves da Silva e Francisco Oliveira da Silva deixaram Pernambuco para se casar em São Paulo. Lá, conseguiram uma chácara, passando a viver do que plantavam. 

Com o falecimento de Francisco em 2004, em decorrência da diabetes, Maria passou a receber pensão por morte, no valor de um salário mínimo. A partir de junho de 2022, entretanto, o valor da pensão começou a vir menor um pouco menor. 

A agricultora só percebeu as alterações nos extratos quando alertada por um funcionário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que a aconselhou a procurar um advogado e o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). 

Os descontos eram de cerca de R$ 30 reais para o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi/FS), uma das 11 entidades que agora estão sendo investigadas pelo esquema bilionário de fraudes no INSS.

"Quebrou muito as minhas pernas", diz Maria, que hoje tem 57 anos e voltou para Belo Jardim, no Agreste de Pernambuco, para cuidar de sua saúde. 

"Não tem como a gente viver assim, é muita fraude. Me senti enganada", diz ela, que alega nunca ter assinado qualquer acordo com o Sindnapi/FS.

"Eu sou uma agricultora, uma pobre, pessoa humilde, trabalho com honestidade, então eu quero que a Justiça devolva esse dinheiro na minha mão", cobra a mulher. "Se não me avisam, eu ia ficar o resto da minha vida tendo esse desconto". 

Ela pede uma indenização de R$ 8 mil por danos morais. Uma audiência de conciliação está marcada para 5 de junho deste ano.

José Edson da Silva, 58, é metalúrgico aposentado por invalidez, tendo passado mais de dois anos em cadeira de rodas. Morador de Jaqueira, na Mata Sul do estado, ele estava atento à sua folha de pagamento e percebeu a primeira vez que apareceu um desconto relacionado à Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), outra investigada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).

"Eu nunca autorizei nenhum sindicato a fazer esse desconto", ele lembra.

O aposentado conta ter ligado para o INSS em busca de suspender os cortes. "A atendente me falou que iria resolver, mas no outro mês veio a mesma coisa".

"Em um mês, eu liguei mais de 20 vezes para o INSS. Eles diziam que eu tinha que ligar para sindicato, para cooperativa, e eu repetia 'Eu não autorizei esse desconto'", afirma. 

Ele diz que o processo que pede restituição dos descontos e indenização por danos morais está em trâmite na Justiça. "Em uma audiência online, a gente pediu R$ 11 mil de danos morais. Eles ofereceram R$ 90 para fazer um acordo. Até a juíza deu risada", lembra.

Morador de Tamandaré, também na Mata Sul, Sandro Vieira da Silva, 51 anos, passou cerca de seis meses registrando débitos de R$ 57,57 em sua aposentadoria por invalidez direcionados à Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas (Adpap Prev, antiga Acolher).

Ele diz que também acionou o INSS e o problema não foi solucionado. "Eu fiquei indignado. O instituto era para impedir que isso ocorresse. O governo não agiu. "Eu vivo através de medicação e esse desconto me fazia muita diferença", completa Sandro, que também acionou a Justiça cobrando danos morais. 

Segundo a Polícia Federal, as investigações revelam a existência de um esquema criminoso que, entre os anos de 2019 e 2024, teria lesado aposentados e pensionistas em R$ 6,3 bilhões com cobranças de mensalidades associativas não autorizadas. Os valores eram descontados diretamente dos benefícios pagos pelo INSS, sem o consentimento dos titulares.

A Ambec emitiu um comunicado em seu site oficial orientando os associados a cancelar o benefício por meio de ferramenta do governo. "Em virtude dos recentes acontecimentos, gostaríamos de reafirmar nosso compromisso em estar ao seu lado, prontos para atender a todas as suas necessidades e preocupações", diz a nota.

O Sindnapi/FS e a Adpap Prev também foram procuradas, mas não responderam até publicação da reportagem.