13 de maio
Mesmo após 137 anos da abolição, a escravidão ainda resiste no país
Atualmente, sob novas roupagens, muitos trabalhadores ainda são submetidos as condições degradantes e jornadas exaustivas, elementos que caracterizam o trabalho análogo à escravidão
Por: Larissa Aguiar
Publicado em: 13/05/2025 06:22 | Atualizado em: 11/05/2025 14:26
“A escravidão no Brasil nunca foi abolida de fato.” Assim a procuradora do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, Débora Tito, define a persistência de práticas que violam a dignidade humana no país. Ainda segundo ela, "o que mudou foi o texto legal."
Nesta terça, 13 de maio, completa 137 anos da abolição da escravatura, o Brasil ainda convive com situações que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão. Nos canaviais, carvoarias, canteiros de obras e até em casas de família, a liberdade de muitos brasileiros continua sendo embargada. A diferença é que, hoje, isso ocorre sob o manto da ilegalidade. Como lembra Débora Tito, “ela nunca foi justa, mas até pouco tempo atrás, era legal”
A fala da procuradora resume com precisão a continuidade do problema: se a legislação mudou, a mentalidade escravocrata ainda resiste. Nada do que se vive hoje se compara aos mais de 400 anos de escravidão legalizada no Brasil, marcada por violência extrema, tortura. No entanto, a lógica da exploração persiste. Atualmente, sob novas roupagens, muitos trabalhadores ainda são submetidos as condições degradantes e jornadas exaustivas, elementos que caracterizam o trabalho análogo à escravidão.
Quando a promessa de emprego se torna prisão
De acordo com Débora, os sinais de alerta começam desde o recrutamento: “os principais indícios começam pelas falsas promessas. Um salário bom, boas condições em outra cidade, isso já deve acender um alerta.” A prática é comum: trabalhadores, especialmente das zonas rurais, migram acreditando em uma vida melhor, mas acabam vítimas de exploração. “Retenção de documentos, condições insalubres, falta de contato com a família, cobrança por alimentação e equipamentos são indícios claros de que há algo errado”, explica.
O Ministério Público do Trabalho ressalta a importância das denúncias e orienta que elas sejam feitas mesmo quando não há certeza sobre a existência de trabalho análogo à escravidão. “Se não for o crime do artigo 149 do Código Penal, a fiscalização pode revelar outras irregularidades trabalhistas”, destaca Débora. O importante é denunciar.
Onde ainda se encontra trabalho análogo à escravidão?
Embora ainda seja mais comum em áreas rurais, um reflexo do passado colonial do país, o trabalho análogo à escravidão está por toda parte: “hoje em dia a gente tem visto em confecções, obras da construção civil, e até em casas de família, com trabalho doméstico”, diz Débora Tito. O que define o crime, segundo a legislação, é a coisificação do trabalhador, ou seja, quando ele deixa de ser tratado como sujeito de direitos e passa a ser visto como insumo da produção.
Essa desumanização, alerta a procuradora, não decorre de uma maldade individual. “Ela vem da ganância. É o barateamento extremo da mão de obra que transforma o trabalhador em uma coisa, em uma coluna de débito e crédito.”
Quatro formas de trabalhos análogos à escravidão
A legislação brasileira define quatro formas que caracterizam o trabalho análogo à escravidão, conforme o artigo 149 do Código Penal:
Trabalho forçado: ocorre quando há coerção física ou psicológica, como ameaças, violência simbólica ou cerceamento da liberdade de locomoção.
Servidão por dívida: é o chamado “sistema de barracão”, em que o trabalhador chega devendo por alimentação, transporte ou equipamentos e, ao final do mês, em vez de receber, continua devendo.
Condições degradantes de trabalho: situação comum, refere-se ao conjunto de violações à dignidade, por exemplo: ausência de água potável, moradia insalubre, falta de equipamentos de proteção, etc.
Jornada exaustiva: vai além das horas extras. É o trabalho em condições tão insalubres e intensas que afetam a saúde e a dignidade do trabalhador.
Trabalho doméstico e informalidade
Um dos cenários mais chocantes envolve o trabalho doméstico, especialmente de mulheres negras: “Encontramos mulheres em casas de família há mais de 30 anos sem receber salário. Isso é trabalho análogo à escravidão.” O MPT tem avançado nesse campo, antes blindado por um falso discurso de “laços afetivos” entre patroas e empregadas.
A informalidade, por sua vez, também entra no radar. Embora não caracterize por si só trabalho análogo à escravidão, é um importante indicativo. “A pessoa pode estar sem carteira assinada, sem INSS, sem direitos. Isso é ilegal, ainda que não seja escravidão.”
Débora Tito é categórica: “A escravidão no Brasil nunca foi abolida de fato. O que mudou foi o texto legal.” Segundo ela, o maior desafio está na mentalidade escravocrata herdada do modelo colonial: a ideia de que o trabalhador pobre deve aceitar qualquer coisa por um emprego. “O que garante os direitos não é a cor, o gênero ou a classe social da pessoa. É a lei. E a lei não permite mais escravidão. Hoje o chicote é outro. A coisificação vem pela lógica econômica, pela sede de lucro a qualquer custo.”
O que fazer? Como denunciar?
Para enfrentar o problema, o primeiro passo é a conscientização. É preciso reconhecer que o trabalho análogo à escravidão existe e saber identificá-lo. Denunciar é essencial — e pode ser feito de forma anônima, sigilosa ou identificada.
Os principais canais são:
Disque 100 – Violação de direitos humanos
Disque 180 – Violência contra a mulher
Site do MPT – www.mpt.mp.br
Após a denúncia, o Ministério Público do Trabalho aciona uma rede de órgãos incluindo o Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Federal, Defensoria Pública da União, Cras, Creas e prefeituras para fiscalizar e garantir o resgate e acolhimento das vítimas.