EDUCAÇÃO FINANCEIRA
Dez milhões de crianças e adolescentes têm contas bancárias no Brasil
Instituições digitais são as preferidas do público abaixo dos 18 anos e de seus responsáveis, que precisam autorizar a abertura da conta
Por: Cecília Belo
Publicado em: 03/05/2025 06:00
Lidar com dinheiro físico e, principalmente, digital, tornou-se realidade para cerca de dez milhões de crianças e adolescentes que possuem contas bancárias no Brasil, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Desde 2023, a Nu Pagamentos oferece a opção de conta para menores a partir dos 10 anos, e tem cerca de três milhões de clientes abaixo dos 18 anos, segundo levantamento de 2024. Também em 2023, o banco Inter começou a oferecer a conta Kids, que conta com três milhões de clientes abaixo dos 18 anos. Já a Instituição PicPay lançou a conta para jovens em maio de 2024 e possui dois milhões de contas abertas por menores (2024); e as possibilidades seguem aumentando, conforme o mercado percebe a tendência financeira.
No Brasil, a Lei nº 10. 406, de 2002, define que menores de idade precisam da autorização do responsável legal para abrir contas em bancos, enquanto o Banco Central, a partir da resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 4.753, de 2019, regulamenta que menores podem ser titulares de contas bancárias e poupanças, desde que autorizados pelos tutores legais.
Para a Febraban, o contato desde cedo com as finanças é positivo e aumenta as possibilidades desses menores desenvolverem uma relação saudável com o dinheiro quando adultos, além de ajudar a compreender melhor o funcionamento da área. “O instrumento da conta bancária é o primeiro passo para a mãe, pai, responsável ou tutor inserir na vida da criança ou jovem a educação financeira. Também é uma boa oportunidade de aplicar na prática os conceitos de ganhar, gastar e poupar em um único local”, afirma a Federação.
A estudante Lígia Gonçalves, de 14 anos, tem uma conta digital desde fevereiro de 2025. Ela utiliza principalmente o Pix para pagamentos de compras, sobretudo de cosméticos e de alimentação, como lanches no dia a dia. Lígia acredita que ter uma conta bancária própria a tornou mais cuidadosa com seus gastos, inclusive com relação aos golpes financeiros. “Eu sempre fui muito cuidadosa com dinheiro, mas eu sinto que me tornei bem mais, por ficar mais atenta a golpes e até mesmo em não transferir um valor maior que o necessário”, ressaltou.
A decisão de abrir uma conta bancária partiu dela e de sua mãe, Andressa Gonçalves, 38. Para a mãe de Lígia, garantir essa segurança e independência para a filha é essencial, já que a jovem estuda integral e passa o dia fora de casa.
“Como ela fica o dia todo na escola, e de vez em quando tem que fazer um pagamento, mas não consegue falar comigo, sempre mando um dinheirinho pra ela, um ‘trocadinho’, né?”, explica Andressa.
Segundo ela, a adolescente é organizada e gosta de poupar. “Ela sempre foi muito organizada. E agora, ela está mais! Às vezes, eu nem lembro que eu já mandei aquilo pra ela e ela diz que não gastou. Ela sempre tá com o ‘trocadinho’ dela ali, porque ela não gasta, sempre tá juntando”, finaliza.
Educação financeira no foco
O educador e personal financeiro Leandro Trajano orienta os tutores e responsáveis a começar a introduzir para as crianças e adolescentes os conceitos básicos sobre dinheiro e planejamento de gastos, além de ressaltar a importância de escolher uma instituição segura e responsável; já que os dados dos jovens serão compartilhados com a empresa.
“Uma conta bancária pode ser a fonte de liberdade de organização e planejamento para o hoje e para o amanhã, ou ela pode ser uma fonte de se perder, porque junto com a conta bancária, a instituição financeira tem os dados do menor.”, explica Trajano.
Ele ressalta ainda que “é preciso abrir uma conta voltada para esse público”, pois dentro dos aplicativos é possível ter ofertas da instituição. No entanto, o especialista completa que não existe faixa etária ideal para comecar a ter contato com a educação financeira.
“Pode começar cedo, se houver uma orientação gradativa, consistente. O importante é que comece. Para alguns vai ser com 4, 5, 6 anos, para outros com 8, 10. A infância é uma fase muito boa para começar a introduzir o universo da educação financeira. E depois, ao universo bancário, mais na adolescência, a partir dos seus 12 anos. A conta bancária, com orientação e conscientização, pode progredir de uma forma mais tranquila”, finaliza.
Comportamento dos jovens
Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, jovens da geração Z (entre 18 e 25 anos) tendem a manter suas relações bancárias longe das agências físicas, optando pelo digital. A pesquisa revelou que 7% das pessoas da geração Z jamais pisou numa agência bancária, enquanto 26% nunca realizou um depósito em dinheiro físico.
Para a Febraban, “os bancos digitais se tornaram grandes atrativos para iniciar essa relação de dinheiro dos jovens, com conta bancária, cartão de débito e até cartão de crédito em alguns casos, além da possibilidade de estabelecer metas para o futuro, alocando o recurso em investimentos”.
Orientações para crianças, adolescentes e responsáveis
O educador financeiro Leandro Trajano também se dedica a escrever livros didáticos direcionados a estudantes do ensino fundamental e médio e promove educação financeira em escolas do Brasil. Ele aconselha que os adultos se preparem antes de envolver os filhos no universo bancário e na educação financeira, a partir de pesquisas na internet ou em livros, por exemplo, para ter clareza na hora de orientar os jovens.
Outras medidas primordiais, ainda segundo Trajano, são acompanhar a movimentação financeira da criança e do adolescente, preferir contas com restrições compatíveis à idade, testar métodos de oferta de dinheiro, como a semanada, a quinzena ou a mesada, encarando como um treinamento para o jovem controlar o próprio dinheiro, além de conscientizar sempre a criança ou adolescente sobre sua realidade financeira e o poder aquisitivo da família.
Andressa, mãe de Lígia, acompanha a movimentação da filha e a orienta constantemente. “Eu digo a ela que não gaste tudo. Mas eu sempre estou acompanhando. Prefiro também estar lado a lado ali, com ela. Eu sei que é importante aprender na prática, mas também acho que os dois (acompanhamento e prática) são fundamentais”, ressalta.
Para crianças e adolescentes, Trajano diz que o principal conselho é utilizar a conta bancária como uma ferramenta de aprendizado, auxiliando no planejamento e na organização dos gastos, como, por exemplo, pensar antes de fazer uma compra, questionando-se se aquilo é um desejo ou uma necessidade. Ainda segundo o especialista, é necessário entender o funcionamento da conta e do cartão de débito, além de reconhecer que poupar é fundamental e que existem outras formas de investir além da poupança, sempre com orientação.
Outro ponto importante, aponta Trajano, é evitar gastar mais do que se ganha e aprender a controlar a própria “velocidade de gasto”. Por fim, ele indica buscar conteúdos educativos e entender que cometer erros faz parte do aprendizado são atitudes que ajudam a criar uma relação saudável com o dinheiro desde cedo.
“A abertura de uma conta digital é simples, rápida e muitas vezes gratuita, e o menor precisa apenas ter CPF e RG. Ele deve ter contato com o dinheiro, entender o valor das notas e moedas e ter noções sobre preços e valores dos produtos. Diversos bancos oferecem possibilidades de produtos e serviços para o menor ao se tornar correntista.”, direciona a Febraban.