DEMOCRACIA

Entenda o que é o PL da Anistia que pode beneficiar Bolsonaro e condenados pelo 8 de janeiro

Pedido de urgência para a tramitação do projeto na Câmara Federal já foi protocolado, mas votação depende do presidente da Casa, Hugo Motta

Publicado em: 21/04/2025 06:00 | Atualizado em: 17/04/2025 16:03

 (Joedson Alves/Agencia Brasil)
Joedson Alves/Agencia Brasil
O projeto de lei que concede anistia aos condenados pelo 8 de janeiro e outros envolvidos na trama golpista desde 30 de outubro de 2022 já possui o número mínimo de assinaturas para aprovar um pedido de urgência para sua tramitação na Câmara Federal. O requerimento já foi protocolado, mas a votação depende do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), que deve decidir sobre a questão com os líderes partidários. Protagonista de narrativas da extrema direita à esquerda, entretanto, a proposta e as consequências de uma possível aprovação ainda estão envoltas em desconhecimento.

O PL da Anistia é, na verdade, um conjunto de projetos de lei de diversos deputados federais para “perdoar” manifestantes envolvidos em atos antidemocráticos a partir do dia do segundo turno das eleições de 2022 até o dia em que a lei entraria em vigor. O benefício se estenderia desde para caminhoneiros e acampados em frente à quartéis militares até generais envolvidos na elaboração da minuta de golpe e nomes como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A advogada criminalista, especialista em direito público e professora do curso de Direito da Uninassau, Jéssica Correia, explica que a anistia não é exatamente um perdão, mas uma decisão do Congresso Nacional de abrir mão da condenação por certos crimes cometido por um determinado grupo de pessoas – diferente do indulto e da graça, perdões presidenciais que extinguem as penas.

Nem todo crime, no entanto, é passível de anistia. “A própria Constituição Federal traz os crimes que não admitem a anistia. Tortura, tráfico de drogas, terrorismo e os crimes que são definidos como hediondos. Então, para esses tipos de crime não caberia a anistia”, afirma Correia.

Segundo a advogada, parte da polêmica em torno do novo PL da Anistia é justamente se os atos contra o Estado Democrático de Direito poderiam ser enquadrados como hediondos.

“Esse projeto de lei é uma tentativa de apagar, do ponto de vista penal, a responsabilidade dos envolvidos sob o argumento político de reconciliação, pacificação ou suposta injustiça nos julgamentos”, avalia a advogada.

“Alguns juristas defendem que a tentativa de golpe de Estado e a abolição violenta do Estado Democrático de Direito seriam crimes constitucionalmente ‘inanistiáveis’, porque violam as cláusulas pétreas, direitos super protegidos pela nossa Constituição Federal e não podem ser abolidos: a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais”, complementa.

Se aprovado o PL, Correia afirma que Jair Bolsonaro e os demais réus do “núcleo crucial” da trama golpista só seriam beneficiados pela anistia nas acusações que não se enquadram como hediondas. Eles são acusados de oito crimes, incluindo a elaboração de plano para assassinar o presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Além disso, a especialista alerta que a possível repercussão internacional e os precedentes jurídicos que podem ser abertos com uma anistia de Bolsonaro dificultam que o benefício seja concedido ao ex-presidente.

“A concessão da anistia para ele poderia gerar reações de órgãos internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que inclusive já condenou o Brasil por anistiar crimes graves. Outra coisa é o fato dele ser um ex-presidente. A anistia concedida nessa situação poderia ensejar um enfraquecimento do sistema constitucional e abrir precedentes perigosos para futuras violações de outras pessoas que venham a ocupar o Executivo”, analisou Correia.

Na análise do cientista político Sandro Prado, a aprovação do PL da Anistia “fragiliza a autoridade do Poder Judiciário, em particular do Supremo Tribunal Federal, que tem cumprido o papel de guardião da ordem constitucional”.

“Simbolicamente, a anistia sinaliza que a ruptura institucional é tolerável, desde que politicamente conveniente. A impunidade institucionalizada torna-se um incentivo à reincidência autoritária, seja por meio de violência política direta ou mecanismos de sabotagem à confiança pública nas instituições”, acrescentou.

Segundo Prado, o projeto protagoniza uma narrativa política revisionista e autoritária visando reescrever a história recente do país. “É uma peça central na estratégia de ressignificação dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, cuja violência e intento subversivo foram amplamente documentados por instâncias judiciais, pelo Ministério Público e organismos internacionais”, analisou.

“A tentativa de anistiar os envolvidos no ataque ao Estado Democrático de Direito não é um gesto de pacificação, mas um ato de afronta à responsabilização penal, fundamento do regime democrático”, completou.

Anistia da Ditadura

Diante da polêmica, tem sido comum encontrar comparações entre o novo PL e a Lei da Anistia de 1979, que perdoou os crimes cometidos por militares e opositores da Ditadura Militar entre os períodos de 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

A especialista em direito público e professora do curso de Direito da Uninassau, Jéssica Correia, explica que a Lei da Anistia, apesar de ter beneficiado agentes da ditadura, veio para reconciliar o país durante a transição do regime militar para a democracia e “deixar para trás” os delitos cometidos durante a luta para retomar o Estado Democrático de Direito. Hoje, com uma democracia consolidada, não haveria motivos para anistiar condenados por praticarem atos contra as instituições.

“Os sujeitos abrangidos com a Lei da Anistia atuavam em oposição à política da época. Hoje já temos uma democracia consolidada, e o que ficou entendido quando essas pessoas foram denunciadas é que elas são autoras de atos golpistas, praticando crime contra a democracia, contra o estado. A finalidade da lei foi redemocratizar”, afirma.

O entendimento é corroborado pelo cientista político Sandro Prado, que acredita que o PL da Anistia “inverte a lógica” da lei promulgada em 1979.

“Embora contestada por setores do campo progressista, a anistia deu-se em um processo de distensão política. Foi um instrumento de transição pactuado para recompor a normalidade institucional, apesar de ter deixado impunes muitos agentes do Estado responsáveis por crimes”, declara.

“O PL da Anistia ocorre dentro de uma ordem constitucional democrática, sem a existência de um regime de exceção, e visa perdoar atos antidemocráticos perpetrados por aqueles que desejavam justamente romper com essa ordem. Trata-se, portanto, não de uma anistia para a democracia, mas de uma anistia contra a democracia”, finaliza.