FAZENDA DE CANNABIS

Ela queria salvar o filho e hoje ajuda 9 mil pessoas: veja a história da 1º fazenda de Cannabis medicinal urbana do Estado

Da necessidade de amenizar a dor de Antonny, que sofre de epilepsia, Hélida Lacerda criou a Aliança Medicinal, em Olinda

Publicado em: 09/01/2025 14:17 | Atualizado em: 09/01/2025 14:54

 (Foto: Marina Torres/ DP)
Foto: Marina Torres/ DP
Um projeto que nasceu da necessidade de salvar uma vida dentro de casa se tornou um movimento que já ajuda mais de nove mil pessoas em todo o Brasil. A Aliança Medicinal, a primeira fazenda urbana de Cannabis Medicinal de Pernambuco, é hoje um símbolo de inovação e esperança para pacientes com diversas condições de saúde, como epilepsia, autismo, ansiedade e dores crônicas. 
 
A origem do projeto 
 
Tudo começou há nove anos, quando Hélida Lacerda, hoje presidente da Aliança Medicinal, enfrentou o maior desafio de sua vida. Seu filho, Antonny, sofria de epilepsia refratária e apraxia progressiva. Com apenas 12 anos, ele enfrentava até 80 crises de convulsão por dia, mesmo tomando 15 medicamentos diferentes. 
 
Ricardo Hazin Asfora, diretor executivo, e Hélida Lacerda, presidente da associação (Foto: Marina Torres/ DP)
Ricardo Hazin Asfora, diretor executivo, e Hélida Lacerda, presidente da associação (Foto: Marina Torres/ DP)
 
 
"O medo de perder meu filho era maior do que o medo de ser presa", relembrou Hélida, que, por falta de acesso ao óleo medicinal à base de Cannabis, devido ao preço, começou a cultivar a planta clandestinamente e preparar o óleo em casa. Na época, o garoto recebeu um prognóstico que teria apenas mais um ano de vida. Hoje, aos 21 anos, ele chega a passar meses sem crises. 
 
Com o tempo, Hélida passou a ensinar outras mães que precisavam a cultivarem a planta, e em 2018 conseguiu um habeas corpus para produzir exclusivamente para seu filho. Em 2020, a associação ganhou corpo, reunindo mães de crianças com condições semelhantes. Em 2023, veio a tão aguardada autorização judicial para a produção ampliada em Olinda, oficializando o projeto como a Aliança Medicinal. 
 
O impacto do óleo medicinal 
 
 (Foto: Marina Torres/ DP)
Foto: Marina Torres/ DP
 
 
O óleo de Cannabis é consumido em gotas e pode ser usado no tratamento de diversas condições médicas, incluindo epilepsia, autismo, ansiedade, depressão, dores crônicas, Alzheimer e diabetes. Segundo a médica clínica geral e pesquisadora Rafaela Espósito, os benefícios do canabidiol (CBD) são amplamente reconhecidos. 
 
"Ele reduz inflamações, melhora a qualidade de vida e pode, em alguns casos, substituir medicamentos convencionais. É uma ferramenta importante que, com prescrição médica, pode ser usada como primeira escolha ou em processos de desmame de remédios tradicionais", explicou a médica. 
 
Ela ressaltou que, apesar de ser uma novidade para a ciência moderna, a Cannabis tem um histórico de uso terapêutico na antiguidade, como para amenizar dores do parto. 
 
Custo e acesso ao tratamento 
 
Os medicamentos da Aliança Medicinal são vendidos com valores que variam entre R$ 150 e R$ 390, dependendo da concentração. Um frasco pode durar de dois a três meses, e o acesso é garantido apenas mediante apresentação de laudo médico e receita.  
 
Atualmente, o maior número de pacientes atendidos pela Aliança está em Pernambuco, mas a associação já envia produtos para todos os estados do Brasil. 
 
O processo de produção detalhado  
 
A produção de medicamentos à base de Cannabis na Aliança Medicinal é altamente controlada e segue rigorosos padrões técnicos, dividindo-se em várias etapas:
 
  • 1. Módulo Berçário 
 (Foto: Marina Torres/ DP)
Foto: Marina Torres/ DP

 
A jornada começa no berçário, onde pequenas partes da planta, conhecidas popularmente como talinhos, são retirados de plantas saudáveis. Esses talinhos passam por um processo de enraizamento, no qual são estimuladas a desenvolver o sistema radicular. Esse estágio dura cerca de 25 dias. 
 
  • 2. Cultivo de Desenvolvimento 
Tricomas (pequenas glândulas cristalinas que parecem açúcares) nas folhas e flores (Foto: Marina Torres/ DP)
Tricomas (pequenas glândulas cristalinas que parecem açúcares) nas folhas e flores (Foto: Marina Torres/ DP)

 
Após o enraizamento, as plantas são transferidas para contêineres climatizados, onde permanecem por cerca de três meses. Esse período é dividido em duas fases principais: 
 
Fase vegetativa: Nessa etapa, a planta se concentra no crescimento de caules, folhas e estruturas aéreas. A climatização simula as condições ideais das estações do ano, com controle de luz, umidade e temperatura. 
 
Fase de floração: Aqui, a planta começa a produzir tricomas (pequenas glândulas cristalinas que parecem açúcares) nas folhas e flores que contêm os canabinoides, os compostos medicinais responsáveis pelos efeitos terapêuticos. 
 
"A cada etapa, garantimos que as plantas estejam em condições ideais para alcançar a máxima qualidade. É como criar um pequeno pulmão verde na cidade, pois as plantas também contribuem para melhorar a qualidade do ar, elas produzem oxigênio que durante o processo liberamos na atmósfera", explicou Ricardo Hazin Asfora, engenheiro agrônomo e diretor executivo da Aliança Medicinal. 
 
  • 3. Extração e Produção do Óleo 
 (Foto: Marina Torres/ DP)
Foto: Marina Torres/ DP

 
Depois de colhidas, as glândulas das plantas (tricomas) são extraídas usando solventes especializados. O resultado é um extrato denso, de aparência semelhante a mel, que é diluído em azeites específicos para a formulação do óleo medicinal. 
 
Cada contêiner da fazenda equivale a aproximadamente um quilo de produção de extrato, embora a quantidade final varie conforme a concentração de canabinoides desejada.  
 
As partes da planta que não são utilizadas passam por um processo de descarte controlado e são incineradas para evitar qualquer uso indevido. 
 
Perspectivas futuras 
 
Com a produção atual distribuída entre dez contêineres, a Aliança Medicinal está planejando uma expansão para 36 unidades, o que aumentará a capacidade de atendimento.    

A entidade também aguarda regulamentação da Secretaria de Saúde de Pernambuco para integrar o fornecimento de seus medicamentos ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme a Política Estadual aprovada em dezembro de 2024.  

"A cada dia, alcançamos mais pessoas. É mais vida, mais saúde e mais esperança sendo devolvidas para famílias que antes estavam sem alternativas", celebrou Hélida.