Acervo do Diario

Uma verdadeira joia da história do Brasil: Lei de Patrimônio Nacional dá visibilidade ao acervo do Diario de Pernambuco

Documentação virou Patrimônio Material Nacional, esta semana, com a assinatura de uma norma pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Publicado em: 23/11/2024 06:00 | Atualizado em: 22/11/2024 15:59

 (Foto: Sandy James/DP Foto)
Foto: Sandy James/DP Foto

 
Um arquivo quase bicentenário. Uma verdadeira joia na história do País.  Este é o acervo do Diario de Pernambuco, transformado em Patrimônio Material Nacional, esta semana, com a assinatura de uma norma pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao entrar em vigor na terça-feira (19), a Lei nº 15.027 dará visibilidade a um material que pouca gente conhece. 
 
É um arquivo tão importante que, no mesmo dia, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou, na Comissão de Justiça, o Projeto de Resolução que pode tornar os arquivos do Diario Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco.
 
Mas, afinal, o que tem nesse imenso acervo?

São quase 200 de história impressa. Em 1825, quando o Diario foi criado pelo tipógrafo e jornalista pernambucano Antonino José de Miranda Falcão, Portugal reconhecia a independência do Brasil, a primeira linha férrea do mundo foi inaugurada na Inglaterra, o Brasil entrava em seu primeiro conflito armado, na Guerra da Cisplatina, e Dom Pedro II nascia. 

No vasto acervo do jornal estão gravadas matérias e reportagens sobre golpes de estado, revoluções, movimentos políticos, descoberta de invenções e notícias sobre o dia a dia da população recifense do século XIX até o XXI. 

A primeira impressão do Diario de Pernambuco data 7 de novembro de 1825. Nesse número,  foi anunciado o que seria veiculado no jornal: título de propriedade, compras, vendas, roubos, apreensões de escravos, horários de entradas e saídas de embarcações, entre outras. 

Um aviso na contracapa do jornal alerta aos assinantes que a edição será deixada na casa de cada. No entanto, se a casa estiver fechada, o jornal será colocado embaixo da porta. “Porque se torna muito incômodo procurar duas ou três vezes a qualquer um dos senhores assinantes para lhes entregar em mão”, escreveram. 

Análise

Marcos Galindo, professor de pós-graduação em Ciências da Informação e coordenador do Laboratório Liber, da UFPE, está à frente do projeto de restauração do acervo do jornal desde 2022. 
 
O professor Marcos Galindo, em 2023, digitalizando uma capa do Diario de Pernambuco (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
O professor Marcos Galindo, em 2023, digitalizando uma capa do Diario de Pernambuco (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
 

Em conversa com a reportagem, contou como, em breve, a história do Brasil poderá ser entendida pelos olhos do Diario de Pernambuco.

“As pessoas que fundaram o Diario eram os filhos dos fidalgos, dos senhores de engenho, que iam para Paris estudar e, é de lá que eles trazem o pensamento liberal. Quando eles criam o jornal, eles estavam defendendo esse ideal liberal”, contextualizou. “Do ponto de vista histórico, o Diario é muito mais relevante do que as pessoas costumam ver. Ele foi o primeiro veículo de mídia que deu voz às pessoas”. 

Em 1874, Recife recebeu o primeiro cabo telegráfico submarino, que permitia a propagação de notícias de maneira mais rápida. “As informações que vinham dos Estados Unidos, da Europa e da Inglaterra chegavam aqui primeiro. Então, isso foi alimentando o Diario de Pernambuco, trazendo uma importância singular. Você consegue ver, por exemplo, a mudança na sociedade quando as mulheres começam a votar pelas matérias contra o sufragismo, contra o feminismo”, exemplifica. 

Marcos Galindo ainda detalha que nos jornais é possível ver relatos dos movimentos e revoltas populares, interesses pela liberdade econômica. O professor observa que um “fator interessante que podemos ver nos jornais, é que com a chegada da eletricidade, em 1840, o dia se expande”, isto porque às 18h as ruas já estavam vazias. 

“Nessa época, o Recife estava se tornando uma cidade universitária por conta da Faculdade de Direito, então vimos o aumento dos cafés que tem uma importância fundamental junto ao jornal”, diz o professor.

Segundo o professor, esses cafés passaram a se tornar o escritório do jornalista, era lá que eles redigiam suas matérias e tinham discussões políticas com políticos. “Então, essa mudança de tecnologia tem uma implicação importante na maturidade política da cidade e no desenvolvimento social de Pernambuco e do Recife, especificamente. Isso está tudo no Diario”. 
 
 (Foto: Sandy James/DP Foto)
Foto: Sandy James/DP Foto


“Daqui um tempo, quando esse acervo ficar disponível, a pessoa que acessá-lo encontrará muito da vida das pessoas, o cotidiano de cada época. Eu vejo que havia um contato maior com a comunidade, era mais comunitário. Todo mundo vai se interessar”, finalizou.

A requalificação

Ao longo dos anos o português, formato, impressão e até as formas de acesso foram atualizadas. Mas, para revitalizar páginas e mais páginas de documentos históricos para torná-los acessíveis, o trabalho é árduo.

O professor conta que para “traduzir” algumas palavras e textos das edições do século 19 do Diario, ele e sua equipe precisaram pegar dicionários da época, digitalizaram e criaram um dicionário a parte dentro dos instrumentos de leitura das edições. “Algumas edições estavam se quebrando, então, com o pessoal do curso de química desenvolvemos um polímero a base de celulose que reintegra as páginas do jornal”, contou. 

“Quando convertemos esse jornal para um meio digital e um meio digital confiável, você coloca um jornal do século 19 no século 21”, conclui.