TEATRO
Espetáculo 'Mulheres de Nínive' estreia hoje como parte do Festival Cena Cumplicidades 2024
Atriz e apresentadora pernambucana Nínive Caldas protagoniza monólogo que discute os silenciamentos e violências enfrentados pelas mulheres ao longo dos milênios
Por: André Guerra
Publicado em: 02/10/2024 06:00
Espetáculo ocorre em duas apresentações no Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h. Foto: Morgana Narjara |
Ciclos de invisibilização, dor, violência, medo e culpa são colocados em uma chave de questionamento e busca por mudança no novo trabalho da atriz, apresentadora e produtora cultural pernambucana Nínive Caldas. A tentativa de romper com essas toxicidades viciosas que se perpetuam no mundo no tocante ao corpo feminino foi uma das coisas que motivaram a criação deste monólogo, 'Mulheres de Nínive', que estreia hoje, às 19 horas, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife, como parte da programação do Festival Cena Cumplicidades 2024, e segue com uma segunda apresentação amanhã, no mesmo horário.
Com direção da psicóloga e também atriz Hilda Torres, o espetáculo surgiu de uma aprofundada pesquisa que contou com a contribuição de várias outras mulheres, que, do mesmo modo, tinham o interesse em dar – ou devolver – a voz para o feminino descobrir as respostas para as perguntas que tentam entender processos de apagamento. Apesar do título da peça ser homônimo ao da protagonista e idealizadora, portanto, não é um projeto autocentrado, muito pelo contrário: mesmo que parta de vivências pessoais, o nome 'Nínive' faz referência à cidade histórica que foi capital da Assíria, na antiga Mesopotâmia, e berço dos famosos jardins suspensos da Babilônia (onde hoje se localiza o Iraque).
Enquanto na Bíblia a cidade referendada é aquela para onde Deus mandou Jonas salvar o povo – e ele, ao se recusar, foi engolido por um enorme peixe –, na Cabala ela é símbolo de força bem antes de Cristo, onde conta-se que a primeira mulher a se destacar foi a guerreira e arqueira Semíramis, a qual lutava e caçava ao lado dos homens. O contexto histórico de Nínive (cidade) aliado aos relatos particulares de Nínive (atriz) constroem esse monólogo que não está interessado em ser uma narração de sofrimento e, sim, na intensificação das possibilidades do 'existir mulher' fora dos estigmas e caixas projetados pelo patriarcado através do tempo.
O cenário traz uma grande saia no centro do palco, representando os oceanos e as águas que, simbolicamente, conectam os corpos debatidos. A equipe ganhou força com a preparação corporal de Lili Rocha, que trouxe a percepção física a partir do sentir e respirar. Já a trilha sonora foi composta também a partir das vivências do processo pelas musicistas Nana Milet e Ana Paula Marinho, enquanto o desenho de luz desenvolvido por Natalie Revorêdo e o figurino por Xuruca Pacheco, Marcelo Mendes, Fabiana Pirro e Hilda Torres.
"Quando interpretei Maria Madalena na Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, fiz uma pesquisa grande e conversei bastante com Hilda sobre meu desejo de fazer um espetáculo em que a gente pudesse contar a história dessas mulheres apagadas, borradas e deturpadas através dos séculos. São narrativas que passam pela vida da minha, em pleno século 21, e pela vida de várias mulheres. Quando descobri a história da Cabala, que toca justamente no meu nome, aconteceu um cruzamento do destino", explicou Nínive em entrevista ao Viver. "Eu percebi, ao longo desse processo, a quantidade de histórias que há para além daquelas da Bíblia, por exemplo, mas todas, de algum modo, diminuíam a mulher, já escravizada antes mesmo de a escravidão existir propriamente", ressaltou.
Ao trazer esse resgate de um passado tão longínquo e propondo uma reflexão com o contemporâneo, a atriz entendeu que no projeto não poderia faltar uma discussão sobre o futuro. “Precisamos fazer com que as mulheres se vejam, pensem no que podem fazer sobre o presente para mudar um futuro que vem sendo traçado socialmente há tantos séculos como um estaque de servidão, de apagamento e de violências. O espetáculo propõe que as espectadoras se percebam, inclusive, dentro de suas próprias individualidades, já que cada uma tem sua própria história e não deve ser igual a ninguém", completou Nínive.