CINEMA
A graça da invenção
Maior vencedor do 13º Olhar de Cinema, 'Greice' conquista o espectador com narrativa divertida liderada por personagem irresistível
Por: André Guerra
Publicado em: 18/07/2024 06:00 | Atualizado em: 17/07/2024 09:44
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Divulgação |
A jovem Greice (Amandyra) cursa artes em uma universidade de Lisboa e ao conhecer o português abastado Alfonso (Mauro Soares) de maneira nada usual, ela começa uma relação que, durante uma festa de calouros, resulta em um acidente envolvendo um quadro caríssimo. A situação vai virar a vida dela de cabeça para baixo e Greice, o filme, em cartaz nos cinemas, muda completamente de cenário – de Lisboa para Fortaleza – e assume sua estrutura repleta de pequenas e cômicas imprevisibilidades conforme as narrativas da protagonista viram uma bola de neve.
Dirigido e escrito por Leonardo Mouramateus (Antônio um dois três e A vida são dois dias), este projeto de alto nível de cinismo e sagacidade foi o grande vencedor do 13º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, incluindo vitória como melhor filme. Chama atenção no cenário de festivais no Brasil quando se assiste a uma comédia que, ao mesmo tempo que se assume como tal, jamais tenta se adequar a uma estrutura padronizada do gênero, formal ou tematicamente. Pelo contrário: dentro do possível, Mouramateus parece subverter várias expectativas tanto da comédia quanto do cinema de circuito alternativo.
Greice tem um senso de humor afiado desde o início, mas consegue tornar a sua premissa mais interessante a cada bloco, na medida em que a personagem-título se transforma em uma espécie de mosaico de versões. Amandyra, numa atuação inteligente e sedutora, faz o público comprar completamente as histórias da protagonista, mesmo quando essa toma as mais erradas decisões. Enquanto a primeira metade tem uma sensação curiosa de deslocamento, sobretudo por se passar num país estrangeiro, a segunda, ambientada em Fortaleza, ganha ainda mais humor e coadjuvantes de peso que ajudam a relação público-personagem se tornar mais cheia de nuances.
É particularmente feliz que o longa não trate Greice com julgamentos morais em relação às suas artimanhas e jogos de poder para com os outros, mas se divirta explorando as possibilidades práticas das ações dela – cabendo assim ao espectador fazer seu próprio juízo. E surpreende que, no processo, Mouramateus consiga construir cenas ternas que pegam a plateia desprevenida no meio de todo o cinismo do roteiro. Greice nunca é vista pelo diretor como uma figura heroica e tampouco é vilanesca; aos olhos da câmera, ela é sempre uma musa da invenção.
"Comecei a pensar nesse projeto quando tinha acabado de chegar em Lisboa. Muitas das experiências retratadas no filme vem diretamente da minha própria experiência como recém imigrante lá. Eu tenho a sensação de que, se ainda se vê na tela uma relação de muita paixão em relação a um lugar novo, tem algo de amadurecimento meu aí em termos formais mesmo. Eu não conseguiria ter feito esse filme sem antes ter dirigido Antônio um dois três e A vida são dois dias, sem dúvida, o que se deve muito à minha colaboração com Mauro nesses dois filmes anteriores e nesse também. O ritmo, o tom e a cadência não é uma construção apenas minha, mas nossa", afirmou o diretor em entrevista ao Viver.
Mauro Soares, ator e preparador de elenco do filme, destacou o processo de amadurecimento das filmagens. "Foi muito rico a gente ter tido uma separação entre a primeira parte a segunda. Tivemos todo um tempo de pré-produção antes de cada um dos blocos, o que torna a segunda metade ainda mais 'harmônica', ao menos no que eu noto as pessoas sentindo do filme. Toda a parte de Fortaleza tem uma palatabilidade que vem muito de a gente já ter gravado a primeira e poder olhar o material com calma. Nos outros dois filmes a gente também filmou por partes, então acho que afinamos esse jeito de trabalhar, e no Greice a gente vê esse amadurecimento como resultado", explicou.