NUTRIÇÃO

"Mais do que oferecer comida", diz representante da FAO sobre alimentação escolar

Publicado em: 24/05/2023 08:20 | Atualizado em: 24/05/2023 09:17

 (Foto: Divulgação/FAO)
Foto: Divulgação/FAO
Desafio para muitas nações, a alimentação e a nutrição escolar ainda carece de políticas públicas para atingir a universalização e qualidade ideal para os estudantes. No ano passado, a quantidade de brasileiros que enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar ultrapassou a marca de 60 milhões — quase uma a cada três pessoas — segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No meio deste caminho, o governo enfrenta obstáculos na oferta de uma alimentação de qualidade às crianças.

Ao Correio, o representante da FAO, Rafael Zavala, destacou que, atualmente, a alimentação escolar atende mais de 40 milhões de estudantes diariamente no país e cerca de 85 milhões em toda a América Latina, sendo um pilar do direito humano à alimentação. "Estamos falando em mais do que oferecer um prato de comida. As escolas têm um papel fundamental para ampliar o conhecimento sobre os alimentos e para promover uma nova cultura alimentar, mediante ações de educação alimentar e nutricional”, apontou.

Zavala também destacou o 2º Congresso Internacional de Alimentação Escolar, que a instituição participa, até 25 de maio, com 350 profissionais de nutrição e educação do Brasil e de outras 13 nações da América Latina para discutir a importância do tema.


Confira a entrevista completa

Qual a importância de se debater alimentação escolar neste momento do Brasil?

É sempre importante debater a alimentação escolar, já que os programas de alimentação escolar, quando bem executados, garantem o acesso a alimentos saudáveis e fomentam bons hábitos alimentares nos estudantes e em suas famílias. No Brasil, essa é uma política que atende a mais de 40 milhões de estudantes, em 150 mil escolas públicas, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), um programa em execução no país há mais de seis décadas.

Na maioria dos países da América Latina e do Caribe, a política de alimentação escolar está presente. Em toda a região, cerca de 90 milhões de estudantes se beneficiam dos programas de alimentação escolar. Para muitos desses alunos e alunas a alimentação escolar saudável, nutritiva e adequada é um pilar da garantia do direito humano à alimentação.

A alimentação escolar é uma estratégia importante no combate ao sobrepeso e à obesidade, representando a possibilidade de educar para uma nova cultura alimentar. A epidemia de obesidade e suas terríveis consequências é um problema de má nutrição que, atualmente, afeta até 40% das crianças e adolescentes nas escolas na nossa região. Para que as escolas enfrentem a situação de fome e má nutrição na América Latina e no Caribe, é essencial o papel do Estado por meio de leis sólidas sobre alimentação escolar saudável e sustentável.

Portanto, se antes da pandemia de covid-19 a alimentação escolar já era muito importante e, agora, no pós-pandemia, é fundamental.

Por que 13 países da América Latina estão se reunindo em Brasília para debater esse tema?

Esta iniciativa de trazer estes países à Brasília é parte das ações da cooperação internacional executada há 14 anos no tema de alimentação escolar de maneira conjunta pelo governo do Brasil, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), para apoiar o fortalecimento e a consolidação de programas de alimentação escolar em países da América Latina e do Caribe.

Por meio da Rede de Alimentação Escolar Sustentável, a RAES, criada em 2018, damos continuidade a este trabalho com os países da nossa região, e justamente alguns deles estarão aqui conosco durante uma semana. Esta rede que envolve mais de 20 países visa promover o compartilhamento de aprendizagens, experiências e o intercâmbio das melhores práticas. A realidade é que há uma ampla diversidade de programas de alimentação escolar e um dos desafios da RAES é contar cada vez mais com uma maior estabilidade e qualidade destes programas, por meio da troca de experiências, aplicação de ferramentas e metodologias, assim como a consolidação de políticas adaptadas às condições de cada um dos países, conservando a essência de uma alimentação saudável e ambientes adequados nas escolas.

E qual é a maior lição?

Gosto de dizer que a alimentação escolar é a melhor lição de política pública do Brasil para o mundo. Além disso, estamos falando em mais do que oferecer um prato de comida. As escolas têm um papel fundamental para ampliar o conhecimento sobre os alimentos e para promover uma nova cultura alimentar, mediante ações de educação alimentar e nutricional. Além de melhorar a qualidade da alimentação das crianças, a alimentação escolar fortalece a cadeia da agricultura familiar local, pois estimula os países a comprar alimentos de agricultores familiares por meio de compras públicas. O PNAE é uma política que está promovendo uma nova cultura alimentar nas crianças e em suas famílias.

Esses são os grandes temas debatidos durante esta semana aqui em Brasília com estes países que participarão do II Congresso Internacional de Alimentação Escolar, de seminários no âmbito da Rede de Alimentação Escolar Sustentável (RAES), mas, também, irão visitar uma escola do Distrito Federal e uma cooperativa da agricultura familiar, para conhecer “na prática” a implementação do programa brasileiro, com esta via de mão dupla entre a produção no campo que gera renda para famílias agricultoras e o consumo de alimentos saudáveis por parte dos estudantes.

Destaco mais uma vez que o compromisso e o trabalho desempenhados pela cooperação brasileira junto com a FAO no tema da alimentação escolar, para seguir fortalecendo os programas de alimentação escolar dos países da região, é fruto do entendimento sobre a importância desta ferramenta estruturante na construção de um mundo sustentável, que respeite o direito de todos a uma alimentação adequada e saudável.

O que a política do Brasil tem de diferente que possa ser destacado para a região?

A política brasileira tem alguns componentes que servem de referência para outros países, como, por exemplo, a universalidade. Em alguns países não são todos os estudantes que têm direito à comida na escola. No Brasil, sim. Como mencionado anteriormente, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) atende a mais de 40 milhões de estudantes, diariamente. Além disso, este programa também tem como eixo de trabalho a implementação de ações de educação alimentar e nutricional para a formação de hábitos saudáveis desde a infância, que beneficiam os estudantes, suas famílias e comunidades.

Outro ponto é a previsão legal de comprar pelo menos 30% de produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, considerada uma inovação para muitos países da região que tiveram o marco legal brasileiro como referência, já que as compras públicas da agricultura familiar cumprem um papel muito importante na promoção do desenvolvimento territorial. Isso inspirou outros países a seguirem pelo mesmo caminho, como o Paraguai e a Guatemala.

Dá para dizer que a política de alimentação escolar do Brasil é um exemplo para o mundo?

O Brasil é referência mundial em política de alimentação escolar. Um título conquistado graças à decisão histórica de unir o tema à visão do direito humano à alimentação adequada e a iniciativa de fortalecer o papel da agricultura familiar como peça-chave para abastecer o ambiente escolar de alimentos saudáveis.

Não tenho dúvidas de que a política de alimentação escolar do Brasil é um exemplo para a região e para o mundo. Se tivéssemos uma Copa do Mundo de políticas públicas de alimentação escolar, o Brasil estaria entre os campeões. É preciso dizer que a alimentação escolar é uma política muito importante para ajudar no combate à fome. E a experiência brasileira é realmente uma das mais bem-sucedidas nesse campo.

Destaco aqui o ano de 2009, que foi um marco histórico da alimentação escolar no Brasil. A transformação veio quando a visão da alimentação como direito foi ampliada a todos os estudantes da educação básica, passando a ocupar o centro da política nacional sobre o tema, com a promulgação da lei específica de alimentação escolar. Um passo importante para significativos avanços na educação e na saúde do país, em especial no que se refere ao enfrentamento da fome e da má nutrição.

Outra grande inovação da Lei da AE foi a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar para utilizar na alimentação servida nas escolas. Desde então, o PNAE determina que, no mínimo 30% destes itens devem vir deste importante setor produtivo.

Que desafios vocês veem para que a política de alimentação escolar seja ainda mais fortalecida?

As escolas são os agentes e os meios principais para mudar a cultura alimentar, sendo assim, devido às características dos programas de alimentação escolar, de inclusão social e econômica, de fomento à alimentação saudável, de combate à má nutrição e de geração de emprego, temos um desafio que é converter a alimentação em um divisor de águas, de maneira que alcancemos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Na América Latina e no Caribe, são muitos os desafios para disponibilizar uma alimentação saudável a todas as pessoas. Um dos desafios é o elevado preço dos alimentos. Não há dúvidas de que o preço dos alimentos dificulta o consumo e o acesso para muitas famílias. Portanto, de forma geral, os orçamentos dos programas de alimentação escolar precisam acompanhar a inflação para manter a qualidade do alimento oferecido.

Além disso, a região mais cara para se alimentar de forma saudável registra também que, oito em cada dez pessoas, apresentam índices de sobrepeso e obesidade. Um reflexo da falta de acesso a dietas saudáveis e da baixa qualidade da alimentação, especialmente entre a população mais vulnerável.

O que ainda é preciso melhorar, no Brasil e na região?

Aqui em nossa região, o problema não é falta de disponibilidade de alimentos, ou de acesso aos alimentos, como acontece em outros lugares do planeta. O maior problema é a desigualdade, a pobreza, a falta de renda para comprar esses alimentos. Por isso, além da fome, temos o desafio de promover dietas mais saudáveis. Isso só ocorrerá com a garantia de que as famílias tenham renda suficiente para adquirir esses alimentos, com a geração de emprego e renda.

Podemos dizer que o Brasil regrediu nessa questão nos últimos anos?

A política de alimentação escolar do Brasil tem mais de seis décadas e podemos dizer que é uma das mais institucionalizadas do país. Esse é um de seus méritos. No entanto, uma de suas dificuldades foi que ela ficou sem correção pelo valor da inflação durante os últimos seis anos. Contudo, uma das primeiras ações que vimos do atual governo foi a concessão do reajuste que será destinado para estados e municípios.

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