SASSEPE

Filha: ''Meu medo é minha mãe morrer negligenciada''

Publicado em: 05/03/2023 15:00 | Atualizado em: 05/03/2023 21:24

Passeio com a neta em dezembro se tornou apenas lembrança acalentada por ''Marene Azeira'' no hospital onde espera o devido tratamento do Sassepe (Suenne Azeira - Acervo pessoal)
Passeio com a neta em dezembro se tornou apenas lembrança acalentada por ''Marene Azeira'' no hospital onde espera o devido tratamento do Sassepe (Suenne Azeira - Acervo pessoal)
De uma vida relativamente normal até dezembro, incluindo passeio com a neta, em apenas dois meses, uma funcionária pública estadual tem a saúde seriamente agravada enquanto espera tratamentos necessários do Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Pernambuco (Sassepe), agora aprisionada num leito hospitalar. “Meu medo é minha mãe morrer, não pela doença, e, sim, porque está sendo negligenciada e sem qualquer tratamento necessário”, diz a filha. A situação de mãe e filha é dramática e ocorre em meio ao silêncio do Sassepe e do Governo de Pernambuco (clique aqui), enquanto, no final da tarde desta sexta-feira, a mãe, em coma, apresentava falência do fígado e renal. 

Aos 69 anos, a cerca de dois anos da aposentadoria, acometida de câncer agressivo, a mãe aguarda o tratamento adequado do Sassepe enquanto a saúde piora. Para preservar mãe, filha e família, as duas são tratadas por pseudônimos, respectivamente "Marene Azeira" e "Suenne Azeira". No sábado, enquanto eram acrescidas palavras a esse texto, a mãe vomitou sangue e a filha interrompeu o contato para buscar socorro. Mais um susto e tensão imagináveis nos muitos anos de dedicado trabalho desde que foi aprovada em concurso e admitida no dia 25 de outubro de 1994 na Universidade de Pernambuco (UPE), para serviços gerais, chegando à condição de secretária de um dos departamentos da instituição.

A realidade mudou com um diagnóstico de câncer agressivo no fígado, mas "Marene Azeira" não esmoreceu, continuou trabalhando normalmente, buscando tratamento e a assistência do Sassepe. Uma busca que tem se mostrado um drama muito maior do que o câncer e que a filha "Suenne Azeira" define como negligência do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco (HSE) e do Sassepe.

Desrespeito à Lei
“O Sassepe não é dos melhores e temos muitas coisas para reclamar”, explica "Suenne Azeira", acrescentando que, como nada afetava gravemente a saúde, a mãe sempre teve paciência e aguardava tudo que precisava. “Mas ela está com câncer, que é uma doença que não permite ter paciência nem tempo perdido”, protesta, cobrando a contrapartida dos descontos nos contracheques da mãe.

A urgência reclamada por "Suenne Azeira" está estabelecida como direito na Lei 12.732-2012 (clique aqui). “O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único”, diz o texto daquela que é conhecida como “Lei dos 60 dias”. Entretanto, diante do desrespeito, várias instituições têm se desdobrado para ajudar na defesa e orientação de pacientes e familiares. É o caso do Instituto Nacional de Câncer, o Inca (clique aqui) e da organização não governamental (ONG) Oncoguia (clique aqui), que editou a atualiza o Manual de Direitos dos Pacientes com Câncer (clique para obter gratuitamente).

Atendimento protelado
Acompanhado por uma equipe médica do Instituto do Fígado, o câncer continuava se ampliando no organismo de "Marene Azeira". Por isso, a mãe passou a contar com a assistência do médico oncologista do HSE, Luís José Batista, que decidiu e fez a solicitação de um tratamento mais adequado  com um novo medicamento em julho. “O Sassepe pediu os documentos todos e mandou uma mensagem para minha mãe de que estaria autorizando o tratamento”, lembra. Sete meses depois, nada de concreto ocorreu.

"Suenne Azeira" começou a aprender duramente a diferença entre informação e realidade quando o Sassepe autorizou o tratamento numa única clínica, que depois informou não aceitar pacientes novos. Outra autorização indicava clínica que informou não ter a medicação necessária para iniciar o tratamento. “Ficou nesse jogo de mandar de um lado para o outro sem dar solução”, conta. Enquanto isso, exames revelaram que o câncer se espalhava, quando o médico Luís José Batista emitiu declaração expondo a gravidade da situação, solicitando urgência no atendimento no final de outubro.

Doente e trabalhando
A cerca de dois anos da aposentadoria, a própria "Marene Azeira" voltou a cobrar que o Sassepe. Com a filha, recorreram à Ouvidoria e ao Serviço Social, sem solução. Com grande perda de peso e se mostrando debilitada, continuava trabalhando, tentando levar sua vida normal, até que em dezembro ocorreu uma crise relacionada à vesícula. “Era outro problema de saúde que os médicos do Sassepe também vinham adiando a cirurgia para resolver. Uma cirurgia que hoje em dia é simples e de rápida recuperação”, diz "Suenne Azeira".

A infecção intestinal causada por uma pedra que soltou da vesícula inicialmente tratada em casa redundou numa internação  para um tratamento com antibiótico pela veia em 23 de dezembro. Passou Natal e Ano Novo no HSE esperando por uma cirurgia urgente para retirada da vesícula, mas em 04 de janeiro a mandaram de volta para casa, onde passou apenas uma semana. Socorrida para a emergência do HSE, com febre, diarreia, vomitando, sem conseguir ficar em pé de tão fraca, teve constatada novamente infecção.

Infecção generalizada
No dia 16/01, uma médica de nome não identificado deu alta para "Marene Azeira", mas, no caminho para casa, ela entrou em choque, vomitou, travou a mandíbula, começou a se tremer e foi levada às pressas de volta para o HSE. A médica que a atendeu no retorno disse não saber como havia sido dada alta, já que estava com “sepse” e precisava ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Sepse” é mais conhecida -e temida- como infecção generalizada, que segundo a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) é a maior causa de morte nas UTIs, sendo que no Brasil chega a 65% dos casos, enquanto a média mundial está em torno de 30 a 40%.

A preocupação e zelo da médica a levaram a encaminhar "Marene Azeira" de ambulância para a UTI de um hospital particular com contrato com o Sassepe, onde recebeu melhor tratamento, sendo liberada para a enfermaria no dia 22 de janeiro. Mas foi alertado que só sairia de risco com a cirurgia de vesícula, principalmente pela questão da vesícula em conjunto com o agressivo câncer de fígado.

Segundo “Suenne Azeira”, desde então a mãe recebe tratamento apenas para ser mantida estável para que possa ser submetida à cirurgia de retirada da vesícula e o tratamento de câncer. “Tudo porque está sem o devido tratamento para câncer que pode chegar numa situação irreversível a qualquer momento por falta da assistência adequada, e, agora, sem a cirurgia para a vesícula que também é primordial”, protesta a filha. “Tudo por falta da assistência adequada de um sistema de saúde que deveria cuidar da saúde dos funcionários do Governo do Estado de Pernambuco”, reforça.
 
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