educação

Saúde mental na escola

Problemas como bullying e automutilação transformaram a missão dos professores em uma tarefa ainda mais árdua

Publicado em: 01/07/2019 08:28

Reprodução/Pixabay
Nos últimos anos, a saúde mental de crianças e adolescentes tornou-se protagonista em pautas de educadores, formadores de políticas públicas e da comunidade científica. Antigos problemas como o bullying, e novos, como a automutilação, transformaram a já complexa missão de professores em uma tarefa ainda mais árdua.

Do ponto de vista comportamental, temos grandes desafios a enfrentar.

Primeiramente, a ressignificação veloz de diversas questões psicossociais (estrutura familiar, sexualidade, mercado de trabalho, entre outros) e a fluidez dos vínculos vêm gerando desorientação e insegurança. Neste caso, o problema não são as ressignificações, e sim, a dificuldade em lidar com a ausência de parâmetros norteadores para o manejo com o jovem. Nos dias de hoje, é bastante comum que pais se sintam angustiados ao tentar compreender o que é “normal” para seus filhos.

Segundo, o fluxo de informação da era da internet potencializou uma série de comportamentos de risco que não tínhamos registro anteriormente. (Aos leitores mais maduros, eu pergunto: quem se recorda de ter tido um colega que se automutilava? Provavelmente, a resposta vai ser consensual. Ninguém).

Terceiro, o pessimismo transmitido aos jovens é imenso. (Quantos de nós ao chegar em casa fala sobre aspectos positivos do seu trabalho? Qual é a perspectiva que transmitimos sobre “ser adulto”? Qual é a proporção de notícias positivas veiculadas sobre os recursos ambientais do planeta no futuro? Ou sobre o mercado de trabalho e a segurança pública?). Nos queixamos de jovens que não querem crescer, mas apresentamos a eles um cenário que parece desolador para que não se pense outra coisa que não seja viver o aqui e o agora.

Quarto, a proposta escolar carece de adaptações para os novos tempos a fim de aumentar o engajamento dos alunos. Além disso, o nível de complexidade de algumas escolas aumentou drasticamente, gerando afastamento por parte de um grupo e sobrecarga por parte de outro.

Por fim, mesmo frente a essa série de questões, vivemos em contextos aonde muitos pais se encontram pouco presentes (f ísica e mentalmente), oferecendo menos suporte do que seria necessário para um período tão labiríntico.

Transtornos mentais 

Por um longo tempo acreditamos que a juventude fosse um período essencialmente feliz. Me recordo de quando, ao fim da minha formação como psiquiatra da infância e da adolescência, tínhamos que justificar em palestras a evidência de transtornos mentais, tais como a depressão, em crianças. Porém, com o passar do tempo, pesquisas epidemiológicas passaram a indicar que a prevalência mundial de transtornos mentais na infância e adolescência é de cerca de 20%.

Por mais que a sensação coletiva seja de que a prevalência dos transtornos mentais em jovens tenha aumentado nos dias de hoje, o que a comunidade científica indica é que para a maioria dos diagnósticos ela não oscilou tanto. O que acontece é que a capacidade que temos atualmente de identificar casos melhorou. De fato, há pouco tempo atrás, era corriqueiro que se recebesse para uma primeira consulta clínica adolescentes com diagnósticos como o de autismo que nunca tinham sido avaliados por um psicólogo ou psiquiatra e que nunca haviam estado em uma escola. Eram tratados por rótulos e frequentemente ficavam em casa, confinados, afastados do direito de interagir com outras pessoas e de aprender. Atualmente, crianças com esta mesma condição recebem o diagnóstico de forma muito mais pronta e assertiva, possibilitando que milhares possam viver vidas mais justas e produtivas.

Saúde mental e escola 

Partindo do princípio de que a grande maioria dos jovens passa boa parte do seu dia na escola, o sistema escolar passou a ser destacado como o principal núcleo de promoção de fatores protetivos e de investimento na redução de fatores de risco ligados à saúde mental. Diversos tipos de inter venção vêm sendo pesquisados, variando de abordagens que vão da estimulação às competências socioemocionais a capacitações de professores para identificação precoce de jovens em necessidade de avaliação psicológica.

A importância dos mestres

Como agentes protagonistas nesse cenário, os educadores têm o poder de atuar no desenvolvimento de seus alunos, não apenas acadêmico, mas também como indivíduos saudáveis. Isso acontece no dia a dia, ao estabelecerem vínculos baseados na afetividade, na empatia, na escuta ref lexiva e respeitosa e na consideração pelas qualidades do educando visando ao fortalecimento de sua autoestima. Também acontece quando o professor interage de forma motivadora e criativa, informando e encorajando em processos de tomadas de decisão, estimulando a autonomia.

Neste novo panorama que visa a saúde mental nas escolas, é importante salientar que educadores não devem ter o encargo de diagnosticar ou mesmo que sejam exigidos a aplicar qualquer tipo de conhecimento que não seja pertinente à área da educação. A ideia não é de sobrecarga.

A proposta é que, frente a esse novo cenário cheio de desafios, e considerando que professores já atuam contemplando os aspectos emocionais, cognitivos e comportamentais de seus alunos, conhecimentos selecionados em saúde mental, ancorados em aspectos de promoção e prevenção, podem ser de grande utilidade na prática educativa, empoderando a figura do mestre.

Gustavo Estanislau é médico psiquiatra, especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); Doutorando do Departamento de Psiquiatria da UNIFE SP; Coordenador Científico do Projeto de Integração Saúde Mental e Escolas “Cuca Legal” da UNIFESP.

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