CINEMA

Narrativa atropelada e visual acinzentado atrapalham escala grandiosa de 'Napoleão', em cartaz

Épico de Ridley Scott, com Joaquin Phoenix no papel principal, trata das batalhas lideradas pelo ex-imperador francês e sua relação intensa com a primeira esposa, Josefina (Vanessa Kirby)

Publicado em: 23/11/2023 09:00

 (Apple/Sony (Divulgação))
Apple/Sony (Divulgação)
Reunir todos os elementos necessários para contar a ascensão e queda de Napoleão Bonaparte é um desafio tão grande que, em mais de um século de cinema, apenas o diretor francês Abel Gance havia produzido um épico notório: o filme mudo Napoléon, de 1927, com 5 horas de duração. Já no final dos anos 1960, Stanley Kubrick também tentou adaptar a história em um ambicioso longa que acabou nunca saindo do papel – e é até hoje mencionado como “um dos melhores filmes jamais feitos”. Agora é a vez de Ridley Scott, célebre por não temer produções complicadas, lançar o seu Napoleão, já em cartaz.

O filme começa em setembro de 1793, quando Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix), ainda capitão da artilharia, participava da operação militar Cerco de Toulon, na costa mediterrânea da França, durante a Revolução Francesa. Mostrando a sua ascensão como estadista e, no começo do século 19, como imperador dos franceses, a trama narra sua jornada a partir da relação intensa e complicada com a primeira esposa e por anos imperatriz Josefina de Beauharnais (Vanessa Kirby). 

Famoso por ficções científicas aclamadas (Alien: O 8º passageiro, Blade Runner: O caçador de androides, Perdido em Marte) e épicos históricos (Gladiador, Cruzada, O último duelo), Ridley Scott chega aos 85 anos com uma filmografia tão versátil quanto irregular. O cineasta nunca teve uma assinatura reconhecível, ainda que, de modo geral, sempre se envolva em projetos de alto nível de produção com rigor obsessivo a detalhes no departamento artístico. Nesse quesito, Napoleão não é exceção. 

A reconstrução das principais batalhas (entre mais de 60) lideradas por Bonaparte impressiona não só pela dimensão das locações e número de informações no quadro como também pela capacidade de Scott em situar o público na geografia dos cenários. Os efeitos visuais e práticos se fundem de maneira difícil de distinguir e, sobretudo no ato final, ele expõe as estratégias de batalha com um bom equilíbrio entre cadência e objetividade. 

Não é a primeira vez, no entanto, que o diretor pega uma história rica e complexa e abrevia os entretempos em função de blocos isolados de drama/ação. Em Napoleão, a paixão entre o protagonista e Josefina é sustentada pelo magnetismo de Phoenix e Kirby, sendo ela a única que escapa da direção enrijecida de Scott, mas fica aquém de despertar envolvimento verdadeiro devido às transições abruptas. Passagens importantes da trajetória épica parecem picotadas para atingir uma duração mínima (ao exemplo da sequência ‘piscou-perdeu’ do Egito). O anúncio de uma versão original a ser lançada diretamente na Apple TV+, com 4 horas de duração, talvez justifique esse caos narrativo.

O que esse corte detalhado dificilmente conseguirá resolver é a cinematografia ilogicamente escura e acinzentada. Parceiro habitual de Scott, o fotógrafo Dariusz Wolski tem preferência pelo contraluz nas cenas internas e pelo azul monocromático nas externas, o que torna o visual cansativo e homegeiniza a atmosfera de todo o filme – como se todas as cenas despertassem de algum modo o mesmo clima e não a progressão narrativa esperada.

Em termos de visão, o diretor fica em um meio termo curioso entre a projeção óbvia da figura histórica e a ridicularização dela – Scott tem um senso de um humor considerável aqui e faria bem ao filme caso ele se entregasse a isso por inteiro. O resultado carece de um recorte que fuja desse ‘resumão’ de glórias e amores que prioriza o espetáculo em detrimento de um olhar particular. E como nem o espetáculo enche a vista, tampouco a história se mostra densa e desenvolvida, Napoleão conquista mais uma produção volumosa e imponente e menos a plateia.

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