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VICTOR SCHWANER/DIVULGAÇÃO |
Diretamente das Minas de ouro e das montanhas gerais, um produto que habita a mesa de muitos brasileiros, nos seus mais diversos tipos, tornou-se um patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco pelo "jeitin mineirin" de ser feito. Afinal, basta apenas leite cru, coalho, pingo (um fermento lácteo natural) e sal para as pessoas terem acesso a um autêntico e saboroso Queijo Minas Artesanal - ou QMA, como os conterrâneos de Minas Gerais abreviam com carinho.
Com uma história bicentenária, o Diario foi convidado a conhecer esta iguaria de perto, fazendo a rota de uma das 10 regiões reconhecidas oficialmente: o Campo das Vertentes. E a cada fazenda visitada, o clima familiar na história dos produtores era o tempero extra na feitura desse alimento tão especial para o estado mineiro e, agora, para o mundo também.
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O produtor José Orlando coleciona prêmios (VICTOR SCHWANER/DIVULGAÇÃO) |
Em Carrancas, nossa primeira parada, fomos apresentados a José Orlando. Com muito orgulho, o produtor do Queijo Bicas da Serra garante que foi naquela cidadezinha de menos de 5 mil habitantes que o QMA teria tido seu marco zero. "O ponto forte do Campo dos Vertentes é a região, a pastagem e a tradição. O Queijo Minas Artesanal saiu daqui. Os meus avós não tinham modos industriais de fazer o queijo, algo que só veio acontecer mais tarde. Era, de fato, artesanal", conta ele, que já ganhou diversos prêmios pela qualidade de seu produto.
Ao apresentar condições climáticas favoráveis e ambiente propício para o processo de maturação, os queijos produzidos na região do Campo das Vertentes são de massa compacta, mas que podem apresentar olhaduras (os famosos furinhos) diversas. Em outras palavras: é um queijo de média acidez, quase sempre apresentando aroma vegetal, e de menor untuosidade.
Ressaltando os aspectos familiares que envolvem a história desse alimento, em São João del Rei, cidade que fica a 183 km da capital Belo Horizonte, o QMA Tarôco - amarelinho por fora, branquinho por dentro e de textura amanteigada - carrega uma trajetória hereditária, algo que a ex-professora Joelma Tarôco aprendeu com sua mãe, Trindade, e repassa hoje para o seu filho. Ali perto, no município de Coronel Xavier Chaves, encontramos a família de João Dutra tocando, com dedicação, a produção do Queijo Catauá. O QMA deles, feito com leite de gado Jersey, mais gorduroso, proporciona um sabor singelo e rústico, reminiscente dos queijos produzidos desde o século XVII, é perfeito para degustar com um cafezinho, algo que fizemos in loco.
Nossa Rota do Queijo seguiu para a cidade de Prados, onde visitamos a Fazenda Fortaleza e conhecemos a produção dos queijos Fazfor. Com muito orgulho, Roberto Carlos Soares, o Robertinho, não só falou sobre os prêmios conquistados com o produto, como também fez questão de tatuar essas conquistas em seus braços. Mesmo tendo o QMA como carro-chefe, eles também produzem doce de leite, goiabada e rapadura. Todos tão deliciosos quanto.
Ainda em Prados, vimos o sol se pôr na humilde fazenda do Queijo Matuto. Lá, a comitiva de jornalistas foi recebida com um ótimo "cafezin" feito pelo proprietário Marciel Matuto e a degustação de seus queijos - são apenas oito produzidos por dia. "Muita gente pergunta por que não aumento a produção. É que não quero atender qualquer público. O pessoal menospreza a sabedoria do matuto, mas no fundo, o matuto é um cara inteligentíssimo", avisa.
A viagem pelo interior de Minas teve sua última parada na cidade de Lima Duarte - que, acreditem, não tem nada a ver com o grande ator de novelas, mineiro de Sacramento. Foi lá que conhecemos o Queijo Sítio Primavera, produzido pelo casal Elisa e Jorge. O diferencial do QMA deles é a maturação no vinho, o que lhe confere um sabor marcante.
Com tantos modos de fazer diferentes, o Queijo Minas Artesanal se revela mais que um produto histórico, que justifica o título de patrimônio imaterial conquistado. Sua feitura ao longo dos dois últimos séculos carrega saberes, memórias e a preservação da agricultura familiar, adicionando um ingrediente especial a esse alimento: o orgulho de sua mineiridade.