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Ator interpreta personagem brasileiro vivendo ilegalmente nos Estados Unidos (LD Entertainment/Divulgação) |
O público brasileiro acompanhou bem a ascensão de Marco Pigossi desde sua estreia na novela Eterna Magia (2007), passando pelo seu estouro em Caras & Bocas (2009) e seguindo pela frequência de papéis de mocinho na televisão, um tipo cultivado pelos projetos em que participou por boa parte da década de 2010. A partir do seu trabalho na série australiana Tidelands (2018), da Netflix, ele passou a desenvolver uma carreira internacional. Até que, em 2021, o astro que vinha sendo gestado dentro de um padrão heteronormativo rompeu essa imagem e assumiu o relacionamento com o dramaturgo e cineasta italiano Marco Calvani, que o dirigiu no sensível romance Maré Alta, que chega nesta quinta aos cinemas.
Ambientado em Massachusetts, nos Estados Unidos, o filme acompanha a trajetória de Lourenço (Pigossi), um brasileiro pertencente a uma família religiosa que, sob o falso pretexto de estudar em Harvard, foi morar fora com o namorado. Ao ficar sozinho e ter seu visto vencido, ele tem de se manter fazendo trabalhos de limpeza nas casas da vizinhança enquanto busca uma forma de conseguir uma nova documentação, ao mesmo tempo em que cai em depressão. Ao conhecer Maurice (Jason Bland) um dia na praia, ele descobre uma possibilidade inesperada de conexão.
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(LD Entertainment/Divulgação) |
Apesar das muitas diferenças entre a jornada de autodescoberta de Lourenço e a de Pigossi, saltam à vista em Maré Alta justamente os pontos de convergência, já que o ator também passou por um longo processo até assumir sua homossexualidade e, tal qual seu personagem, é também um brasileiro morando fora. Aqui, fazendo a interpretação mais emocionalmente exposta da sua carreira, ele transparece um misto de falta de pertencimento com conformação autodestrutiva. E a relação com Maurice, que enfrenta seu próprio isolamento como um homem negro na América, surge como uma janela que se abre em um quarto escuro e aumenta a busca de ambos por um lugar no mundo.
Em entrevista exclusiva ao Viver, Pigossi conta que o papel de um homem gay e imigrante teve um efeito revolucionário para ele, não apenas como ser humano, mas como artista. "É a primeira vez que o público me vê nesse lugar como ator e acho que isso faz parte de uma revolução pela qual eu mesmo passei internamente, buscando novas experiências, procurando me entender e me aceitar, além de expandir as minhas possibilidades de interpretação", destaca. "Esse filme é um reflexo dessa minha transformação, que aconteceu no meu tempo, no momento em que eu achei possível".
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(LD Entertainment/Divulgação) |
No bate-papo, Marco Calvani revela que a ideia do roteiro surgiu anos antes de os dois se conhecerem, mas que o personagem ganhou forma de fato a partir da relação com Pigossi. "Eu não sou brasileiro nem venho de uma família evangélica, mas também sou um imigrante gay vivendo nos Estados Unidos em uma época em que o mundo passa por drásticas mudanças. Todo o meu sentimento, através desse lugar de onde venho, é muito pessoal", conta.
A princípio, Calvani queria que Lourenço fosse latino, porque assim o público americano entenderia melhor a relação com a imigração. Inicialmente ele era mexicano, depois venezuelano e, então, quando conheceu Pigossi e ele compartilhou suas histórias, ficou claro que o personagem tinha que ser brasileiro. "Ele realmente apareceu nessa junção entre as coisas que eu sentia", completa o diretor. Em Maré Alta, o sentimento individual de solidão vira um encontro de afetos que Calvani e Pigossi, cada um contando a história a seu modo, transbordam para dentro e fora da tela.