Livro aborda desgaste do conceito ''cultura'' no mundo contemporâneo

O livro Cultura: Sobre a Diversidade de Um Conceito surgiu de uma constatação, seguida de uma provocação. Após observar o desgaste recente no emprego da palavra cultura, Flávio Brayner, organizador da obra, decidiu instigar, em plena pandemia da Covid-19, autores de campos diversos do conhecimento a refletirem sobre o que significaria o termo na atualidade. Com selo da Cepe Editora, o livro traz as reflexões em 46 artigos, assinados por 48 escritores do Brasil e da França.

 

O lançamento será nesta quinta-feira (20), às 19h30, no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), Graças, bairro da Zona Norte do Recife. Na ocasião, o organizador da obra vai participar de um bate-papo com a professora e senadora Teresa Leitão, que escreveu um dos ensaios.

“A motivação inicial deste projeto se deu pela constatação do desgaste da palavra Cultura em nossa época mais recente”, esclarece Flávio Brayner. Segundo ele, o desgaste chega ao ponto de expressões como cultura da violência ou do estupro    tornarem-se corriqueiras, inclusive naquelas instituições que teriam por finalidade preservar um certo tipo de patrimônio e de tradição simbólica. E acrescenta: “supondo que, agora, violência e estupro fazem parte de um campo cultural!”

Em 504 páginas, os textos refletem sobre vários temas. Os primeiros escritos relacionam cultura e educação. Entre eles, um é do organizador, que faz uma Crítica da nova cultura universitária. Brayner enxerga a desqualificação acelerada do professor e a valorização do pesquisador produtivo. “Se o professor é esta figura de um passado em rápido processo de extinção (as tecnologias à distância o substituirão), o pesquisador produtivo é esta figura de um presente imediato, volúvel e condenado a se desmanchar no ar premido pela urgência da inovação”, enfatiza.

Os 46 artigos focam ainda em questões como arte, jornalismo, direitos humanos, política, tecnologia, medicina, urbanismo e religião. Daí, a quantidade de autores convidados. Ao refletir sobre Cultura, espiritualidade e religião, o monge beneditino Marcelo Barros, por exemplo, aprofunda a diferença entre os significados de religião e fé. A primeira vista como o esforço humano de se ligar ao mistério divino e a fé, a adesão a uma revelação pela qual o divino se apresenta no mundo. “É claro que tanto a religião, como a própria fé como algo mais amplo – resposta humana a uma vocação mais profunda – estão sempre situados dentro da cultura”, explica o monge.

 

No artigo que assina, a senadora Teresa Leitão afirma que o histórico da relação cultura e política no país mostra um alto grau de dificuldades e contradições. “Na arena política, as propostas são indicadores de posições”, frisa, explicando que isso, no pensamento do educador Paulo Freire, corresponde à intencionalidade política subjacente. Ou seja, entender para que, a favor de quem, com quem e conta o que as propostas são. “Atuar na cultura não nos permitirá fugir dessa premissa. E a prática política, a cultura política reinante, vão brigar para se impor”, entende.

Diante das posições diversas dos autores, Brayner afirma que a última posição caberá a quem ler os ensaios. “O leitor atento decidirá, em cada artigo, o que se preservou ou se modificou no uso daquele velho conceito”, diz. Para o organizador, o leitor atento “certamente verá que, para algumas sensibilidades mais tradicionais e afeitas aos padrões mais elevados e elitistas de cultura (e esses termos já inspiram desconfiança ideológica), a expressão cultura do estupro apenas indicaria o estupro da cultura”. Destacando, por fim, que parte dos autores discorda dessa avaliação.