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Filme emula 'O Irlandês' sem qualquer critério próprio e acaba como uma sátira involuntária (Warner/Divulgação) |
Desde a década de 1970, o roteiro de um filme de máfia originalmente intitulado Wise Guys circulava pelos grandes estúdios, sem conseguir acordo de distribuição. Somente em 2022 esse material encontrou a aprovação para começar a ser feito e, pelo que se vê na tela, ele chegou tarde demais.
A ideia é ficcionalização da história real de disputa entre dois mafiosos de famílias ítalo-americanas que cresceram juntos e, durante os anos 1950, entraram em pé de guerra após um tentar matar o outro. Esses homens são Frank Costello e Vito Genovese, ambos interpretados por Robert De Niro em The Alto Knights: Máfia e Poder, título definitivo do projeto, que já em cartaz nos cinemas.
Apesar de comparáveis em nível de influência, os dois persogens têm temperamentos drasticamente distintos; Frank é o mais comedido e tenta viver com alguma normalidade, enquanto Vito é o mais violento e impulsivo. É justamente a diferença entre eles que vai definir os rumos da trama e da própria máfia espalhada pelos Estados Unidos — tudo em uma série de informações de narradas em flashback por Costello.
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(Warner/Divulgação) |
Quem dirige The Alto Knights é o cineasta veterano Barry Levinson, vencedor do Oscar pelo clássico Rain Man (1987) e cujo restante da filmografia, apesar de alguns sucessos pontuais, coleciona fracassos de crítica e público há mais de duas décadas, como Fora de Controle (2008), também protagonizado por De Niro, O Último Ato (2014) e Rock the Kasbah (2015), seu projeto anterior mais recente.
O retorno após o hiato de dez anos infelizmente seguiu a toada malsucedida de Levinson, que faz o que parece uma versão involuntariamente paródica de O Irlandês (2019), de Martin Scorsese, não apenas pela presença de De Niro (novamente interpretando um personagem chamado Frank), mas por todas as escolhas de estrutura e de linguagem — da narração em off à ambientação, enquadramentos e trilha sonora.
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(Warner/Divulgação) |
A emulação, porém, não é encarada com nenhum tipo de autocosciência pela direção ou pelo roteiro, que tratam com convicção um material genérico e ultrapassado na maneira como revela suas informações verídicas e na encenação daquele universo. A própria dualidade entre os dois protagonistas, já bastante clara através do trabalho de maquiagem ostensivo em Vito, precisa ser verbalizado da forma mais simplista possível por um deles.
Curiosamente, as atuações de De Niro refletem dois dos polos operantes em The Alto Knights: o ar de piloto automático, no caso de Frank, e a caricatura que flerta com a sátira, no caso de Vito. Os últimos (grandes) trabalhos em parceria com Scorsese — O Irlandês e Assassinos da Lua das Flores (2023) — foram tão exigentes em trazer o ator de volta ao melhor da sua carreira que, em um projeto tão limitado ao decalque, a seriedade que ele demonstra ganha um tom melancólico.
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(Warner/Divulgação) |
Impressiona ainda em The Alto Knights a falta de critério estético se a proposta era de emulação direta. Em algumas passagens, a câmera circula em torno dos personagens em planos longos, movimento comum na obra de Scorsese, mas, em outros, tudo parece picotado, gravado de qualquer jeito. Já na primeira cena de violência, em que o protagonista leva um tiro de raspão na cabeça, fica perceptível a dificuldade de estabelecer uma encenação que confira àquela brutalidade uma tensão ritualística que é tão importante nesse tipo de cinema de gangster.
Em O Irlandês, um assassinato em uma barbearia subvertia a expectativa sangrenta com um plano-sequência que findava focando simbolicamente em buquês de flores, aqui uma cena similar é apenas mais um momento de sangue e barulho. Sem a vocação da sátira, o que sobra em The Alto Knights é o tédio da repetição.