Indicado ao Oscar, 'Flow' sensibiliza sem precisar dizer uma palavra

Em um mundo no qual vestígios humanos já estão totalmente encobertos pela natureza, um gato solitário aparece tentando sobreviver a uma matilha na floresta quando, d e repente, o lugar começa a ser invadido por uma enchente impiedosa. Esse é apenas o ponto de partida de um dos mais bonitos e delicados filmes da temporada: Flow, já em cartaz nos cinemas, concorre com Ainda Estou Aqui na categoria de Melhor Filme Internacional, representando a Letônia, além de estar indicado a Melhor Animação (com chances reais de derrubar favoritos da indústria, como Divertida Mente 2 e Robô Selvagem). 

Uma vez que todo o seu lar é tomado pela água, que parece nunca parar de subir, o felino que guia a narrativa enfrenta diferentes ameaças a procura de um lugar mais alto para se proteger. No trajeto, ele encontra um barco abandonado, no qual um cachorro, uma capivara, uma garça e um lêmure também buscam abrigo.

Através de um traço que parece simples em detalhes e texturas, mas que se revela incrivelmente transparente nas suas emoções, essa animação dirigida e escrita por Gints Zilbalodis não possui sequer uma linha de diálogos. Os animais são, dentro de várias arestas da ficção, retratados com os seus devidos comportamentos mesmo, sem qualquer antropomorfização - o que só torna a busca por sobrevivência nesse mundo em ruínas ainda mais poético, contemplativo e universal.

A ideia de um filme mudo afastou muitas distribuidoras e, por um bom tempo, o diretor e a equipe de animação enfrentaram várias portas fechadas. Surpreendidos pela repercussão gigantesca que o trabalho conquistou, os animadores já fizeram história ao se tornar o primeiro filme indicado ao Oscar da Letônia e, caso ganhe, será uma vitória da sensibilidade artesanal em uma época de crise criativa no setor industrial da animação.

Para além do deslumbre estético, a beleza de Flow é também irônica: está sobretudo na forma como um mundo sem seres humanos preserva alguns dos princípios mais ancestrais da bondade e do altruísmo que a humanidade julga serem exclusividade sua.