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Raquel Hallak (Foto: Leo Lara) |
Que cinema é esse? Foi com essa pergunta que a Mostra de Cinema de Tiradentes começou a sua 28ª edição, abrindo o calendário de festivais do audiovisual de 2025 e, novamente, levantando uma série de reflexões centrais no debate sobre cultura e perspectivas de futuro. Com 140 filmes exibidos ao longo de 10 dias, incluindo dois longas pernambucanos que deram o que falar (por diferentes razões), o evento que movimentou a cidade histórica mineira mantém, ao final, essa sua grande questão e deixa para o Brasil responder: para onde estamos indo com o nosso cinema?
Há quase 30 anos, Tiradentes é palco de grandes descobertas da cinematografia nacional e, de todos os grandes festivais brasileiros, destaca-se pela capacidade de público reunida para assistir às mais diferentes e arriscadas propostas fílmicas. Os fóruns de discussão e debates acalorados refletem a força político-cultural que a mostra não só mantém como vem intensificando, como uma resposta inevitável das grandes mudanças na cadeia produtiva e os investimentos recentes do poder público no audiovisual.
A escolha da homenageada da edição, Bruna Linzmeyer, também dialoga com essas inquietações da arte. A atriz já trabalhou com diversos nomes do audiovisual brasileiro e, sempre disposta a ousar e se reinventar, participa ativamente de várias pautas sociais que retroalimentam a expressividade do cinema.
Entre os longas exibidos na competitiva mostra Olhos Livres, Pernambuco protagonizou o momento mais intenso dos dez dias de festival com o polêmico A Primavera, de Daniel Aragão e Sérgio Bivar, que levou impressionantes imagens do Recife Antigo para a tela grande através de complexas reflexões sobre poesia, romance e abandono. Outro longa pernambucano na mesma competição, A Vida Secreta de Meus Três Homens, de Letícia Simões, foi aclamado pela crítica pela forma como a diretora brinca com a linguagem da ficção e do documentário para mergulhar nos fantasmas de seu passado e da história brasileira.
Ainda na Olhos Livres, merece destaque o terror capixaba Prédio Vazio, de Rodrigo Aragão, um dos mais queridos do público. A obra recebeu o prêmio Retrato Filmes, que concede R$ 100 mil para o lançamento nos cinemas. O grande vencedor da competição principal, porém, foi Deuses da Peste, de Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado, que acompanha um velho ator exilado numa casa em ruínas, no centro de São Paulo, convivendo com a estranha visão do fogo se alastrando pelo país.
O premiado documentário gravado no Ibura Tijolo por Tijolo, de Victória Álvares e Quentin Delaroche, também representou o cinema pernambucano em sessão aberta na Mostra de Tiradentes, seguindo sua carreira de grande sucesso nos festivais. Ajudando a refletir sobre esse futuro da forma, o diretor Fábio Leal levou à mostra Panorama o seu curta O Faz-Tudo, que utiliza a comédia e a linguagem de clipe em uma experiência tão leve quanto breve.
O tempo chuvoso desse período do ano em Tiradentes não diminuiu a frequência do público, notavelmente uma das maiores plateias para produções experimentais, radicais e reflexivas. A parceria inédita com a Embratur nesta edição, anunciada por Marcelo Freixo durante o festival, aponta para um caminho de ampla divulgação dos festivais de cinema pelo Brasil.
Raquel Hallak, coordenadora da Mostra de Tiradentes, falou ao Viver sobre as perspectivas que o evento traz para o futuro e como ele ajuda a difundir a diversidade cinematográfica do país. “A curadoria tem a missão de reunir produções do máximo possível de estados e, este ano, tivemos filmes de todas as cinco regiões. Ao longo do processo curatorial, no entanto, a principal questão era sobre o cinema ter mudado muito nos últimos anos, tanto em termos de produção quanto de difusão e consumo. Foi nesse momento que eu resolvi perguntar: que cinema é esse?”, explica. “Vamos ouvir as pessoas, ouvir as vozes, dar visibilidade a novos nomes, que é uma característica marcante nossa, a de trazer diferentes cineastas que possam, através de seus filmes, responder a essa inquietação. Ainda temos um desequilíbrio muito grande no país, entre fomento e distribuição. Estamos sempre procurando que público é esse que frequenta o nosso cinema e como podemos equilibrar inovação artística com o acolhimento da plateia”.
Raquel conclui: “Uma de nossas principais propostas enquanto evento é apostar em talentos novos, em vanguardas, em produções ousadas que desafiam os espectadores e os convidam a experimentar novas possibilidades com a linguagem. Esse conjunto de inquietações que observamos no cinema brasileiro é traduzido na programação”.