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Elle Fanning interpreta Sylvie Russo, baseada na real Suze Rotolo, primeira musa inspiradora de Bob Dylan (Disney/Divulgação) |
Demorou décadas para sair do papel a cinebiografia de um dos artistas emblemáticos da cultura norte-americana, mas o terreno agora é fértil para esse tipo de produção em Hollywood. Nos últimos anos, a indústria estabeleceu uma fórmula de sucesso para contar a história de ídolos em tom de filme-homenagem. Os resultados, ao menos a nível de repercussão, têm sido bem sucedidos: de Bohemian Rhapsody a Elvis, passando por Rocketman, até, finalmente, Um Completo Desconhecido, sobre o muito mais do que conhecido Bob Dylan, que chega nesta semana aos cinemas e concorre a oito categorias no Oscar, incluindo Melhor Filme, Direção e Ator (Thimothée Chalamet).
Adaptado do livro Dylan Goes Electric (2015), de Elijah Wald, o longa é um recorte do início da carreira do astro, entre 1961 e 1965, quando chega a Nova York para conhecer seu ídolo Woody Guthrie (Scoot McNairy), que se encontra hospitalizado. A trama acompanha sua mudança de cantor folk para a amplificação elétrica marcada pela participação no Festival Folclórico de Newport e essa ascensão na música é narrada em paralelo ao triângulo amoroso entre Bob e as duas mulheres que cruzam sua vida nesse período: Sylvie Russo, inspirada na real Suze Rotolo e interpretada por Elle Fanning, e a cantora folk Joan Baez, vivida por Monica Barbaro, indicada a Melhor Atriz Coadjuvante.
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(Disney/Divulgação) |
O cantor Pete Seeger é outro personagem importante nesse crescimento do protagonista — e ainda que Edward Norton o interprete com competência, a sua indicação a Melhor Ator Coadjuvante é tão inexplicável quanto a da direção. James Mangold, que também adapta o roteiro em parceria com Jay Cocks (Gangues de Nova York), é mais conhecido como um diretor 'de encomenda' do que como autor. Sua funcionalidade é reconhecível em filmes bem diferentes como Garota, Interrompida (1999), Logan (2017), Ford vs Ferrari (2019) e Indiana Jones e a Relíquia do Destino (2023). No mesmo filão de Um Completo Desconhecido, ele já havia dirigido em 2005 a cinebiografia Johnny & June, sobre Johnny Cash — artista que marca presença neste novo longa, em atuação marcante de Boyd Holbrook.
A presença de Timothée Chalmet, que protagoniza duas superproduções entre os dez indicados ao Oscar de Melhor Filme (contando com Duna: Parte 2) e se tornou um dos maiores astros de sua geração, pode tornar difícil para espectadores frequentes enxergarem Bob Dylan e não a persona superexposta do ator, mas isso não diminui a competência da sua composição física e vocal. Ele, afinal, vem estudando o biografado desde 2020 para interpretá-lo e cumpre perfeitamente o desafio pesado de cantar como o ícone da música.
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(Disney/Divulgação) |
O recorte temporal escolhido no caso de Dylan é uma vantagem para fugir do modelo clássico — e atualmente aborrecido — de contar toda a vida do personagem real. Mangold articula um ritmo fluido e constante, que desenvolve o arco ascensão à fama em um tom uniforme, sem grandes momentos de impacto e com um desinteresse pelo espetáculo compatível à personalidade esquiva do artista, que, na vida real, fez contribuições para o roteiro e demonstrou satisfação com o resultado. "Timmy é um ator brilhante. Acho que ele convence perfeitamente me interpretando", afirmou o próprio Bob Dylan em rede social.
Apesar da solidez da narrativa e das caracterizações, o saldo passa uma impressão um tanto plana, segura demais para falar dos conflitos de um homem que até queria (será?) permanecer um completo desconhecido, mas que, desde a época retratada, não tinha escolha. De toda sorte, fãs de canções como Blowin' in the Wind, Don't Think Twice, It's Alright, It's All Over Now, Baby Blue e It Ain't Me, Babe devem ficar satisfeitos com o cuidado com que Mangold rege Timothée Chalamet e Monica Barbaro. Na escala das cinebiografias contemporâneas, justiça seja feita, todos aqui passam na média.