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Armando Lacerda em visita à obra ''Cabeça de Ascenso Ferreira'' (Foto: Acervo de Alexandre Azêdo) |
Com 27 metros de altura, a estátua do Padre Cícero, localizada em Juazeiro do Norte, no Ceará, é a terceira maior do mundo feita em concreto. O que muitos não sabem é que a obra tem a assinatura de um recifense. Armando Lacerda, cujo centenário de nascimento está sendo celebrado neste ano, ainda é um nome esquecido em Pernambuco e no país. Para difundir o legado do artista, o professor, ensaísta e poeta Carlos Newton Júnior narra sua trajetória em O pão e o sonho: vida e obra do escultor Armando Lacerda (Cepe Editora, 2024). O lançamento será hoje, às 19h, no Centro Cultural Benfica, na Madalena.
A morte precoce do escultor pernambucano, aos 56 anos, interrompeu o crescimento de um acervo que sofre com o descaso pelo patrimônio histórico e artístico. “Há um problema de conservação e de sinalização – quando não estão entregues ao vandalismo, os monumentos quase nunca trazem placas informativas com os nomes dos autores”, lamenta Carlos Newton Júnior. Ele ainda atribui o desconhecimento à falta de interesse da academia em artistas falecidos. “Os estudantes dos programas de pós-graduação em artes, por exemplo, preferem trabalhar com artistas vivos, talvez pelas facilidades representadas pelo acompanhamento do trabalho do artista no ateliê”.
Em meio à escassez de informações, o autor vasculhou fontes primárias durante dois anos para escrever O pão e o sonho - uma obra de 180 páginas que narra a vida e obra de Armando Lacerda através de nove capítulos. A publicação também traz um depoimento de 1978 para o pintor José Cláudio (1932-2023) e uma galeria fotográfica. No prefácio, Anco Márcio Tenório Vieira reflete sobre a importância do livro para corrigir um dos maiores esquecimentos de um artista no Brasil. “Estranho silenciamento, já que algumas das suas obras continuam a pulsar no imaginário daqueles que habitam o Nordeste e, por extensão, o Brasil.”
A pesquisa de Carlos Newton revelou a falta de informações sobre Lacerda, com dados restritos aos jornais e à memória dos filhos, em particular de Alexandre Azêdo Lacerda, responsável pelo acervo. O autor preencheu as lacunas com materiais da Biblioteca Nacional, arquivos da UFPE e sua biblioteca pessoal. “Não há sequer um verbete mínimo sobre Armando nos dicionários especializados em artes plásticas”, destaca.
Armando Lacerda se encantou pela escultura desde a infância, mas foi na adolescência, aos 16 anos, que sua paixão tomou forma mais séria, quando entrou para a Escola de Belas Artes. Lá, teve contato com professores renomados como Casemiro Corrêa, Baltazar da Câmara e Murillo La Greca. No entanto, o entusiasmo inicial logo se esvaiu. “O naturalismo idealizado, de viés indiscutivelmente neoclássico, ainda cultuado pelos acadêmicos como o único caminho para a obtenção de um resultado artístico satisfatório, não lhe dizia muita coisa”, justifica Carlos Newton.
Sem viver mais exclusivamente de sua arte, o artista plástico não abandonou a carreira de escultor. Nos anos 1950, foi premiado em diversas exposições do Museu do Estado, com obras como Pescador (1950), Busto e Cabeça de Vaqueiro (1952), e Cabeça (1951). Em 1954, ganhou o primeiro lugar com Cangaceiro, atualmente no acervo da UFPE. No entanto, para sustentar sua família, trabalhou como representante comercial da fábrica de bebidas Cinzano e viajou por outros estados. Foi durante essas viagens que, em 1967, recebeu o convite para criar sua maior obra: a estátua de Padre Cícero, inaugurada dois anos depois na cidade de Juazeiro do Norte.
Projetado inicialmente para sete metros, o monumento foi ampliado para 12 e, finalmente, para 17 metros, graças à ousadia de Armando. Quando pronta, a escultura de Padre Cícero era a segunda mais alta do Brasil, com 25 metros de altura, perdendo apenas para o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, que mede 38 metros. A Secretaria de Turismo do Ceará estima que, por ano, o cartão postal mais famoso de Juazeiro atrai cerca de 2,5 milhões de turistas - embora a maioria desconheça seu criador.