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Notícia de Divirta-se

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Especialistas falam sobre representatividade e momento atual do cinema negro brasileiro

De 'Um é pouco, dois é bom', primeiro longa-metragem brasileiro dirigido por um cineasta negro, até os recentes sucessos 'Marte um' e 'O dia que te conheci', Viver relembra relevância da produção audiovisual negra no país

Publicado em: 20/11/2024 06:00 | Atualizado em: 19/11/2024 21:43

 (Zózimo Bulbul, ator e diretor negro que lançou o curta-metragem pioneiro 'Alma no olho' em 1974.)
Zózimo Bulbul, ator e diretor negro que lançou o curta-metragem pioneiro 'Alma no olho' em 1974.
Buscando um novo ponto no calendário para dar marcar uma das maiores lutas históricas, o Movimento Negro Unificado (MNU) aprovou em 1978 a proposta do Grupo Palmares para passar a celebrar o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro, em homenagem à data em que um dos maiores símbolos da resistência contra a escravidão: Zumbi dos Palmares, foi preso e decapitado, em 1695. Antes disso, o dia 13 de maio, data da Abolição da Escravatura, era comumente utilizado, mas pensadores e estudiosos observaram que representava uma ação branca. Este ano, que marca a primeira vez que o dia 20 é celebrado como feriado nacional, reforçamos como a mudança de perspectiva pode ser reveladora de tantas demandas e de avanços conquistados. E falar em evolução do olhar é falar de cinema.

No Brasil, o cinema negro vem com um peso muito maior do que apenas o protagonismo e a representação em tela: dialoga com a ideia de quem observa, de quem filma e, sobretudo, de quem toma as decisões finais sobre corpos e pessoas. Desde aquele que foi considerado marco pioneiro na cinematografia afro-brasileira, o curta-metragem performático Alma no olho (1974), do ator e diretor Zózimo Bulbul, passando pela desbravadora Adélia Sampaio, conhecida como a primeira mulher negra a realizar um longa-metragem no país com Amor maldito (1984), até chegar na popularidade e excelência de filmes como Cabeça de nêgo (2020), de Déo Cardoso, e Marte um (2022), de Gabriel Martins, o cinema negro brasileiro tem diversas expressões que tentam cada vez mais se difundir através do tempo e da dimensão continental da nação. 
 ('Um é pouco, dois é bom', de Odilon Lopez, primeiro cineasta negro a dirigir um longa-metragem no Brasil.)
'Um é pouco, dois é bom', de Odilon Lopez, primeiro cineasta negro a dirigir um longa-metragem no Brasil.
Um dos cineastas mais importantes do país e que acabou de lançar o seu novo filme, Brasiliana: O musical que apresentou o Brasil ao mundo, no 34º Cine Ceará: Festival Ibero-americano de Cinema, o mineiro Joel Zito Araújo falou ao Viver sobre o objetivo de seu trabalho como realizador e sobre o atual estado do cinema negro brasileiro.
 
"Uma das questões complexas do Brasil é a dificuldade da compreensão da influência negra na nossa história e meus filmes buscam esse olhar. Não interessava às elites brasileiras e à branquitude que o país fosse visto no estrangeiro, mesmo em seus filmes mais prestigiados, como um país com maioria da população negra. Temos que tomar conta desses espaços, já que a representatividade ainda é muito pequena não apenas na frente e atrás das câmeras, mas principalmente nas curadorias, nos júris, nas redações. Meus filmes, tanto as ficções quanto os documentários, fazem esses resgates que passam a contar as histórias através desse olhar do povo negro sobre suas próprias vidas. E há toda uma nova geração muito interessante e forte, com cineastas como Gabriel Martins, André Novais e Maurilio Martins, que têm distintas influências e estão contribuindo muito em termos de linguagem para o cinema negro", afirmou Joel Zito.

“A consciência negra não se limita a um dia no calendário — ela é uma luta diária, vivida e reafirmada em cada momento. Por muito tempo, o cinema negro foi condicionado a tratar exclusivamente do sofrimento, mas há vontade de contar também histórias que celebrem nossas vitórias, afeto e pluralidade. No Brasil e no mundo, o cinema negro vive um momento de afirmação que transita entre a resistência e a celebração da existência. Obras como Um é pouco, dois é bom (1970), de Odilon Lopez, recém-restaurado e que voltou a circular, ou Temporada (2018) e O dia que te conheci (2023), ambos de André Novais Oliveira, mostram como é possível abordar questões raciais explorando nuances que rompem com estereótipos”, ressaltou a crítica e pesquisadora de cinema Tati Regis.
 ('Marte um', de Gabriel Martins, foi escolhido pelo Brasil em 2022 como representante no Oscar 2023 de melhor filme internacional e conseguiu ampla repercussão nacional para a produtora mineira Filmes de Plástico.)
'Marte um', de Gabriel Martins, foi escolhido pelo Brasil em 2022 como representante no Oscar 2023 de melhor filme internacional e conseguiu ampla repercussão nacional para a produtora mineira Filmes de Plástico.
A produtora Anna Andrade, conselheira Nordeste da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), destacou ainda a relevância das presenças negras nas estruturas de poder público e seu impacto na construção da identidade cinematográfica. "Estamos vivendo um momento importante do cinema negro que começa com a participação de representações na máquina política, com a própria presença de Margareth Menezes no Ministério da Cultural e de Joelma Gonzaga na Secretaria de Audiovisual, e a gente já percebe um crescimento de projetos aprovados. Ao mesmo tempo, temos que lidar com toda uma estrutura social que se incomoda com pessoas pretas em espaços de poder. Damos passos à frente, mas também precisamos de cuidado para não retroceder e construir um espaço na indústria mais amplo e plural para contar nossas próprias narrativas”, destacou.
 
Erlânia Nascimento, realizadora audiovisual e educadora, também falou sobre a importância desse protagonismo para toda uma geração que não se via nas telas ou por trás delas. "Quando a gente pensa na perspectiva do que é um cinema negra, ele é um ato político até maior do que artístico. É uma produção feita por pessoas afro-centradas, uma potência que retrata as condições dessas pessoas que vivem as suas realidade observadas com toda a sua complexidade a partir do seu olhar. Não é simplesmente uma atriz negra interpretando dentro de um processo elementar. Um cinema negro é formado por pessoas negras em todos os setores de sua produção. Eu sou bem otimista quando paro e penso que já fui aquela adolescente apaixonada por fotografia que achou que aquilo jamais seria possível e hoje poder ter acesso a um set e a equipamentos é muito transformador. Fui atravessada pelos programas sociais quando era muito nova, com oficinas que me traziam muita felicidade, e poder realizar tantas coisas hoje me deu autoestima, autonomia e autoconfiança para investir no cinema e passar isso adiante para outras gerações", concluiu.
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