 | |
Hermila e Emílio de Mello interpretam pais sob pressão para tomar uma decisão difícil. Divulgação |
Um dos destaques brasileiros aguardados da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que também teve passagem pelo Festival do Rio, o thriller Precisamos falar coloca duas famílias ideologicamente muito distintas para lidar com um problema que se revela ainda maior do que parecia no começo.
A atriz pernambucana Hermila Guedes encabeça o elenco ao lado de Emílio de Mello, no papel do rico casal Anna e Celso, trabalhando intensamente na campanha para governador dele, enquanto Marjorie Estiano e Alexandre Nero interpretam Sandra e Paulo, respectivamente a cunhada e o irmão desequilibrado do último. Quando seus filhos se envolvem no homicídio de uma moradora de rua que estava dormindo em um caixa eletrônico, instala-se uma teia de situações que colocam os adultos sob pressão para decidir que atitude tomar: esquecer o ocorrido ou entregar os adolescentes à polícia?
Longa de estreia da dupla Pedro Waddington e Rebeca Diniz, a partir do roteiro de Sergio Goldenberg, Precisamos falar parte da relativamente conhecida premissa de uma atitude violenta cometida por menores de idade que coloca os pais no divã ideológico - e o filme nem precisava ter um personagem em plena campanha política para isso.
Ao contrário de um trabalho como Deus da carnificina, de Roman Polanski, por exemplo - que também tinha dois casais debatendo sobre uma agressão de menores -, este aqui possui uma situação infinitamente mais grave, que dialoga de forma mais urgente com os casos de brutalidade e violência espalhados pelo país contra minorias sociais, com as discussões sobre armamentismo e, sobretudo, com a influência das redes sociais e do mundo digital nesse processo.
Uma outra grande diferença em Precisamos falar é o papel ativo dos jovens na estrutura do roteiro: filhos do casal político, os adolescentes Jefferson e Rick, vividos por Cauê Campos e Guilherme Cabral, tem uma culpa pesada pelo que aconteceu, principalmente o primeiro, jovem adotado pelos pais que tentou impedir a violência contra a vítima e sofre agressões verbais disfarçadas de brincadeira por parte do primo Michel (Thiago Voltolini), filho do casal Marjorie/Nero e o responsável convicto e orgulhoso do episódio criminoso.
 | |
Marjorie e Alexandre Nero são os pais do violento adolescente Michel. Divulgação |
Fazendo um paralelo constante entre as ações dos filhos e os valores dos dois casais, o filme utiliza a obviedade do texto para intensificar a escalada de insanidades defendidas por alguns dos personagens. A aposta na caricatura, porém, não é assumida pela encenação de Waaddington e Diniz, que buscam sempre uma legitimação realista e séria para as situações e diálogos, principalmente através dos mais novos. Existe um esforço para transparecer um discurso potente, mas as relações e conflitos entre os meninos soam demasiadamente televisivos e os desdobramentos transmitem pouca credibilidade dramática.
Hermila e Marjorie são responsáveis pelos momentos mais interessantes aqui justamente porque o contraste entre o discurso ponderado da primeira e as barbaridades normalizadas pela segunda cria um senso de humor franco e deliberado. Alexandre Nero, por outro lado, acaba sendo o mais prejudicado pelas platitudes do texto: seu personagem está sempre um tom acima de todos os outros e seus posicionamentos refletem todas as ações do seu filho, formando uma redundância curiosamente similar a um trabalho anterior do ator, no suspense A jaula, de 2022, em que ele vocalizava coisas não muito distintas.
Há bastante competência formal em Precisamos falar: é notável por exemplo o controle visual que os diretores têm ao lidar com uma câmera na mão que localiza o público nos cenários e evita o clichê da imagem chacoalhada para criar tensão artificialmente. O que atrapalha mais, portanto, não é propriamente a caricatura, mas a indecisão entre transformar tudo em uma grande farsa - o que exigiria, provavelmente, uma contenção do roteiro em menos personagens e melhoraria bastante o ritmo - ou elaborar uma narrativa densa e intrincada que sustente a complexidade do tema.
Essa estratégia contemporânea de denunciar e satirizar o mundo dos privilégios, como um alto falante de uma série de problemáticas enfrentadas pelo Brasil, já rendeu obras interessantes e vários decepcionantes. Mas um denominador comum entre eles é a necessidade de explicitar em texto a natureza de suas questões políticas e encontrar culpados muito fáceis para cada uma delas. Precisamos falar faz jus ao seu título ao se preocupar menos com a complexidade das perguntas e mais com a verborragia das respostas.