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Em Coral, Zé Manoel explora temáticas similares aos projetos passados (Foto: Divulgação) |
Na interseção entre a incerteza dos seus desejos e as circunstâncias da vida pessoal, o cantor, compositor e pianista pernambucano Zé Manoel enaltece a herança e a contemporaneidade da negritude brasileira em seu quinto álbum de estúdio. Lançado nesta terça-feira (10/09), Coral, que sucede o arrebatador Do Meu Coração Nu - indicado ao Grammy Latino 2021 de Melhor Álbum de Música Brasileira - combina influências da música afro-americana e da cultura popular pernambucana, e é enriquecido com as participações especiais de Liniker, Alessandra Leão, Luedji Luna, Isadora Melo, Rafaela Acioli, o arranjador Ubiratan Marques, entre outros.
Com onze faixas no total, sendo nove músicas e dois interlúdios, Coral é um projeto predominantemente autoral. A gravação do álbum começou em 2023 e só foi concluída neste ano, passando por diversos intervalos e retomadas ao longo do processo. Diferente dos trabalhos anteriores de Zé Manoel, como Zé Manoel (2012), Canção e Silêncio (2015), Delírio de um Romance a Céu Aberto (2016) e Do Meu Coração Nu (2021), a nova empreitada é uma perspectiva mais otimista e leve da vida. “Fico nessa dúvida: será que é um desejo de dias mais solares e de uma vida mais solar? Mas, ao mesmo tempo, isso reflete um período e um desejo, um momento da minha vida”, indaga.
O novo trabalho percorre temas de amor, despedida e religiosidade afro-brasileira, com arranjos inspirados na música negra americana, sem deixar de lado as influências da cultura pernambucana e as questões da comunidade indígena. Faixa de abertura do álbum, Golden provoca uma estranheza intencional ao apresentar os vocais de Gabriela Riley no lugar de Zé Manoel. “É uma canção com uma vibe meio anos 70 americana, mas com um piano que lembra algo meio Donato, e grande parte dela é instrumental”, aponta. Carregada de simbolismos e histórias, a música-título Coral surgiu de um sonho de Zé Manoel em que Dorival Caymmi a interpretava, conquistando o posto de sua favorita.
A veia autoral do álbum se expande para incluir adaptações, como Siriri, uma releitura de Siriri Sirirá (1962). A canção ganhou notoriedade na voz da pernambucana Marinês (1935-2007) e marcou a infância de Zé. “Eu me lembro, bem pequeno, de ouvi-la bastante em casa através da minha mãe. Sempre tive vontade de trazê-la para o meu repertório, porque em cada disco eu tento estabelecer essa conexão. A diferença do meu primeiro disco para o último é justamente essa: eu quero me conectar e dialogar cada vez mais com minha geração atual, mas sem perder o vínculo com as gerações anteriores”. Outra reinterpretação é Malaika, uma canção africana que ficou conhecida nos vocais de Miriam Makeba e adaptada ao português em colaboração com Arthur Nogueira.
Ainda nesse diálogo intergeracional, Johnny Alf (1929-2010), precursor da Bossa Nova moderna, é celebrado em Canção de Amor Para Johnny Alf. A homenagem se torna particularmente simbólica com a participação de artistas negras contemporâneas em outras faixas, como Liniker e Luedji Luna em Deságuo para emergir e Malaika, respectivamente, que desfrutam de reconhecimento em vida, ao contrário de Alf. Zé Manoel questiona o apagamento das raízes negras na história da música brasileira. “Isso é algo recorrente no Brasil: pegamos uma estrutura pré-existente, damos uma nova cara, muitas vezes branca, e apagamos as figuras originais”.
Diante de um mercado hostil a negros, o cantor pernambucano exalta o espaço conquistado por Liniker e Luedji Luna. “São artistas grandiosas que têm rompido a barreira da estrutura musical do Brasil, onde a música independente e a música preta ainda têm pouco espaço. Num país do tamanho do Brasil, a música mais ouvida é a sertaneja, que, apesar de toda a sua riqueza, reflete principalmente uma cultura branca ligada ao agronegócio, muitas vezes monotemática. O problema não é a existência desses estilos, mas sim a monocultura: ter apenas um estilo de música predominante num país tão rico e diverso como o Brasil”, critica.
O lançamento de Coral será seguido por uma turnê que terá início em São Paulo neste final de semana, com shows também previstos para Salvador, Recife e Rio de Janeiro até o final do ano ou início de 2025. “Estamos verificando a agenda para Recife, pois não fomos convidados especificamente para um show aí; vamos encontrar uma data em algum teatro, então vai depender dessa disponibilidade”, explica. Além disso, está em produção um documentário que registrará o processo de criação do álbum.