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Divulgação |
Revelar as múltiplas facetas do Grande Otelo, para além do humor que lhe fez conhecido nacionalmente, é um dos pontos de partida do documentário que resgata a história de uma das personalidades mais importantes na história da televisão e do cinema brasileiro, que, durante a segunda metade do século passado, quebrou barreiras que até então pareciam inexoráveis para artistas negros. Othelo, o grande, dirigido por Lucas H. Rossi dos Santos e produzido por Ailton Franco Jr., venceu o prêmio de melhor documentário no Festival do Rio do ano passado e, finalmente, está entrando em cartaz nos cinemas.
Ator, cantor, compositor, humorista e pensador nascido na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais, filho de mãe solteira e empregada doméstica e levado para uma companhia de teatro de São Paulo aos oito anos de idade, Sebastião Bernardes de Souza Prata entrou no mundo artístico tão cedo quanto enfrentou imensas adversidades dele. Ingressando primeiro no circo e depois no teatro de revista, ainda na juventude, durante a década de 1930, o Grande Otelo (chamado na juventude de 'Pequeno Otelo') se tornou popular nas décadas de 1940 e de 1950. Participou de dezenas de filmes icônicos, como Rio, Zona Norte e Macunaíma, além de parcerias e enorme reconhecimento de cineastas nacionais, como Nelson Pereira dos Santos e Joaquim Pedro de Andrade, e internacionais, como Orson Welles e Werner Herzog.
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Grande Otelo em 'Macunaíma', filme de 1969. |
A obra, os principais momentos da vida e palavras marcantes que representam o talento único do artista estão retratadas no corte final de Othelo, o grande, que extraiu de um material bruto de mais de 300 horas de arquivo (através de pesquisas na Cinemateca Brasileira e em outros arquivos do Brasil e dos Estados Unidos) uma narrativa que foge do padrão explicativo de depoimentos e narrações, abraçando a maneira com que o próprio biografado lidava com sua imagem, suas conquistas e sua arte.
O documentário reapresenta o Grande Otelo ao espectador já familiarizado com sua figura bem humorada a partir de uma nova perspectiva também, a de alguém plenamente consciente de tudo aquilo que precisou fazer, encarnar e interpretar em função da necessidade de sobrevivência em um mundo excludente para pessoas de sua cor. Ele se tornou o primeiro ator negro a ganhar esse protagonismo em diferentes mídias e abriu, dessa forma, caminhos para toda uma geração seguinte poder entrar nos salões principais pela porta da frente.
Em entrevista ao Viver, o diretor falou sobre os desafios de compactar na curta duração de cerca de 1 hora e 20 minutos toda a história e legado do Grande Otelo. “Eu fiquei de 12 a 10 anos para fazer o filme, desde a ideia até lançar ele agora. Foi um processo muito longo mas prazeroso à beça. Este filme me apresentou um outro lado da história do cinema brasileiro, foi uma imersão muito importante. Com um material bruto de mais de 300 horas, não foi fácil escolher o que ficaria no corte, então a montagem foi um grande desafio”, ressaltou Lucas.
O cineasta falou ainda sobre a dimensão política que o personagem real teve durante suas décadas de atividade e a força transformativa do trabalho dele na sociedade artística. “Eu sou apaixonado pelo Grande Otelo enquanto artista e pelo Sebastião enquanto pessoa. Os dois se complementam e fizeram história juntos. Por um lado, pelo seu talento único, por outro, pela sua forma política e estratégica de lidar com o racismo daquela época. A principal intenção do filme é trazer Otelo de volta às telas, apresentar ele para novas gerações e relembrar esse personagem tão importante para o nosso país. Entendi durante o processo do filme que o racismo atravessou toda vida dele de forma abrupta e ele sempre questionava isso por onde passava. Queremos apresentá-lo para quem não o conhece e aprofundar para quem se lembra dele, e esse lado político não poderia deixar de conversar com nenhum desses dois públicos”, completou.