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CINEMA

'Pisque Duas Vezes' é vigoroso e bem humorado suspense sobre alienação feminina

Estreia da atriz Zoë Kravitz na direção tem ares de 'Corra!' e 'Não se preocupe, querida', mas elenco forte e visual estiloso lhe conferem personalidade

Publicado em: 22/08/2024 06:00 | Atualizado em: 21/08/2024 19:53

 (Warner/Divulgação)
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Numa festa de gala, o bilionário Slater King (Channing Tatum) conhece a garçonete Frida (Naomi Ackie), por quem se encanta rapidamente. Após trocas de olhares na hora da despeda, ele a convida para sua ilha privada no meio do nada, onde leva também amigos e algumas mulheres para curtir o que parece uma interminável temporada de férias, com comida, bebida e piscina à vontade. Uma vez lá, tudo parece correr bem, até que uma das convidadas desaparece misteriosamente, enquanto as demais passam a perceber que há algo de errado com aquele lugar.
 
Zoë Kravitz – atriz de presença marcante que ganhou ainda mais notoriedade com sua versão da Mulher Gato em Batman, de 2022 – estreia na direção com este sólido thriller de humor esperto que conhece tão bem suas limitações ao ponto de brincar explicitamente com elas. Coescrito por Kravitz, Pisque duas vezes, já em cartaz nos cinemas, é apenas um de vários galhos originados das raízes fartas de Corra!, de Jordan Peele, um dos trabalhos mais imitados do cinema americano do final da última década.
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Do sarcasmo e autoconsciência dos diálogos, passando pela franqueza e objetividade no uso da violência e da catarse social, Kravitz segue essa fórmula um bocado previsível do suspense ácido em que a ambientação acolhedora e luxuosa se transforma em cenário de brutalidade, enquanto símbolos visuais se revelam em códigos simples na resolução do mistério (uma marca na unha, um veneno de cobra, uma fotografia). A comparação com o irregular Não se preocupe, querida, de Olivia Wilde, é também inevitável: o mote de ambos, afinal, é o despertar da alienação feminina diante da violência perpetuada pelos homens em uma ambientação luxuosa e paradisíaca.

Em Pisque duas vezes, felizmente, o tema ganha uma dimensão bem menos ambiciosa e o discurso cabe deliberadamente em uma frase curta. Parece acertado que, nesse seu primeiro trabalho de diretora, Kravitz proponha uma brincadeira vigorosa por meio dessa premissa simples da casa isolada/sociedade secreta e resolva quase tudo da forma mais prática que consegue. Ainda que existam algumas explicações pontuais sobre o passado dos protagonistas – coisas que soam escritas por obrigação contratual –, é saudável que o próprio filme não dê tanta atenção a isso e se volte para a ação imediata 80% do tempo.
 
Focar nos desdobramentos do cinema de gênero ao invés de verbalizar as aspirações temáticas de modo panfletário não significa abrir mão da seriedade do assunto – e há pelo menos uma cena em que a indignação que provavelmente inspirou Kravitz a embarcar nesse projeto vem à tona, através do sorriso dolorido de uma das mulheres em um ótimo diálogo à mesa.
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É verdade que boa parte das soluções já foram vistas e revistas, mas Pisque duas vezes tem noção suficiente até para ridicularizar os clichês a que poderia recorrer, como na cena em que uma das personagens descarta a ideia de chamar a polícia. Visualmente, ele tem uma saturação tropical tão sedutora quanto enervante e as sequências noturnas são iluminadas com uma belíssima artificialidade, reforçando que a sua vocação está mesmo na estilização, não na inovação.
 
Naomi Ackie, elogiada em Whitney Houston: I wanna dance with somebody, faz uma ótima parceria com Adria Arjona, que brilhou no último ano em Assassino por acaso. A convicção entre  comédia e o drama dessas e de outras atuações de Pisque duas vezes injeta ainda mais energia na direção firme e honesta de Kravitz – que, espera-se, deve virar uma cineasta a se observar.
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