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Diamond Films/Divulgação |
Em meados da década de 1970, uma menina caminha pela neve na frente de sua casa isolada quando um carro se aproxima. É difícil ver quem está dirigindo o veículo, mas dá para notar uma forma preta parada dentro dele, apenas encarando o lado de fora. Dando a volta na casa, a criança encontra o desconhecido – um encontro que não será esquecido. Corta-se para 1990, quando Lee Harker (Maika Monroe), jovem agente do FBI, está responsável por solucionar assassinatos brutais de famílias aparentemente cometidos por elas mesmas, mas sempre uma mesma assinatura misteriosa.
Em cartaz nos cinemas, Longlegs: Vínculo mortal se tornou o maior fenômeno do cinema independente americano e do terror original de 2024 até aqui, com uma tática de divulgação peculiar que gerou comoção nas redes sociais, tanto pelos trocadilhos com o cartaz quanto pela presença surpreendente (e irreconhecível) de Nicolas Cage no papel do personagem-título. Dirigido por Osgood Perkins (The blackcoat’s daughter e Maria e João), este filme de terror policial tem sua força menos em qualquer tipo de inovação estrutural ou temática no gênero e mais pela sua austera combinação entre realismo e sobrenatural.
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Embora sejam inevitáveis as comparações com Caçador de assassinos, de Michael Mann, O silêncio dos inocentes, de Jonathan Demme, e Se7en: Os sete crimes capitais, de David Fincher, a atmosfera de Longlegs tem um padrão monotônico que não dá espaço para cenas de ‘normalidade’, como nesses thrillers tradicionais. O longa, nesse sentido, está mais inclinado para o sombrio cult-clássico A cura, de Kiyoshi Kurosawa, em especial nessa mescla entre o mal palpável e o metafísico.
Visualmente, ele parece uma sucessão rígida de imagens que sugerem ameaça por todos os lados, com o uso irrestrito da lente grande-angular (que deixa tudo em foco) nas cenas mais mundanas e nas aterradoras. Esse tom simétrico e opressivo tira de Lee, personagem principal, o posto de agente da ação e a transforma em peça do quebra-cabeça doentio previamente montado pelo vilão – que, em cenas breves e desconcertantes, Nicolas Cage interpreta com um destemor tão grande do ridículo que deverá gerar reações polarizadas (desde o riso ao pesadelo), mas dificilmente indiferença.
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A trama investigativa de Longlegs rapidamente se revela apenas uma ferramenta para o roteiro explorar o ‘vínculo mortal’ descrito no subtítulo brasileiro. Conforme ela se explica, porém, chama atenção como o filme nunca abraça totalmente o sobrenatural e jamais o nega. Essa rigidez poderia facilmente transformar tudo em alegoria – subterfúgio tão comum no terror ‘sofisticado’ contemporâneo –, mas o diretor se esquiva da armadilha e faz a história se bastar nela mesma, sem pretensas significações.
As imagens perturbadoras da fotografia reconfiguram, sim, a iconografia clássica do terror: enigmas de serial killer, bonecas macabras, casas e corredores escuros. A frieza espartana da condução de Osgood Perkins, no entanto, confere uma morbidez adicional a esses elementos, despertando a sensação de que um mal indefinível se esconde por trás de cada plano. Longlegs é um equilíbrio muito bem calculado entre presença e ausência; entre o perigo que irrompe quando menos se espera e aquele que sempre esteve lá.