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Bacaro Borges (23 anos), filho mais novo de J. Borges, conversa com o Viver sobre influência do pai em sua obra. Divulgação |
Hoje completa uma semana que o Brasil perdeu o xilogravurista e cordelista José Francisco Borges, um dos maiores símbolos da identidade visual pernambucana e nordestina, que faleceu, aos 88 ano, em decorrência de uma parada cardíaca na manhã de 26 de julho. O artista nascido em Bezerros, no interior do estado – onde viveu a maior parte da vida – teve 18 filhos, dos quais cinco seguiram adiante com o trabalho em xilogravura que tornou o pai reconhecido mundialmente: Ivan, J. Miguel, Manassés (já falecido) e os mais novos, Pablo e Bacaro Borges.
Hoje, aos 23 anos e já com seu próprio ateliê, Bacaro conversou com o Viver sobre a construção de seu próprio estilo, sobre a influência do pai em toda a família e ainda falou da dimensão e reconhecimento que J. Borges tinha pela sua arte e como isso fez parte da sua formação.
ENTREVISTA: BACARO BORGES
Como foi ser iniciado no mundo das xilogravuras e cordéis com todos esse anos de história pregressa à sua própria existência?
"É claro que foi muito natural. Por ser o mais novo, convivi bastante com Pablo, meu irmão, e a gente aprendeu quase tudo observando ele fazer ao longo dos anos. Lembro que minha primeira matriz eu fiz com 5 anos. Lógico que ele dava as dicas, mas não precisava ficar parando para ensinar cada passo e muito menos dizendo à gente que estilo tínhamos que seguir. Ele nunca pegou uma ferramenta pra me explicar o passo a passo de alguma coisa. Então, por causa dessa liberdade que ele dava, muito cedo passei a fazer as matrizes e entalhar com meu próprio olhar, sempre tendo ele e meu irmão Pablo como grande referência. Não tinha como ser diferente."
Como você enxerga a riqueza dessas ramificações do traço dele através dos membros família (já que não foram apenas os filhos que seguiram a profissão)?
"Na família toda, mais de 10 pessoas, na verdade, como o próprio irmão do meu pai, Amaro, e os meus primos. Ao mesmo tempo que a gente seguia os passos da profissão, também seguíamos muito a influência uns dos outros, como foi meu caso com Pablo. Até porque cada um tem uma idade, uma vivência diferente, e leva para suas peças aquilo que mais lhe interessa dentro do seu universo. Na minha visão todo artista de uma forma ou de outra mostra muito da sua experiência com o seu tempo, assim como meu pai, que começou a fazer as xilogravuras a partir do contexto da época dele, em uma situação e momento do mundo bem diferente do meu, por exemplo. Mesmo que um estilo tenha se solidificado na história, eu tento pegar isso e levar para o contemporâneo dentro do possível. Tanto que o meu traço mais reconhecido é justamente essa mistura entre o novo e o tradicional; ou seja, o traço herdado de J. Borges com uma visão contemporânea".
Em que medida você visualiza a xilogravura hoje em relação ao que foi feito no passado em termos do que é retratado na madeira?
"Apesar da xilogravura não mudar muito do ponto de vista da técnica, já que ela sempre vai ser esse trabalho de entalhar a madeira, ela se mantém viva quanto mais jovens aparecerem para fazer e pensar seus próprios estilos, histórias e mundos. O artista tem que andar conforme o tempo anda e é natural que a xilogravura siga mostrando outras realidades e outros traços ao longo dos anos, como foi o caso na minha família."
J. Borges era uma das maiores referências artísticas do país, com obras expostas pelo mundo. Como era, para você, a relação dele com esse legado e o que os filhos mais aprenderam com ele sobre isso?
"Ele sabia bem da proporção do reconhecimento que tinha mundo à fora, até porque viajou muito e viu seu trabalho exposto em vários lugares diferentes. Mas o interessante é que isso nunca mudou absolutamente nada na sua personalidade e no seu caráter. O artesanato era para as pessoas do interior de modo geral uma forma de sobrevivência, que surge pela necessidade de quem não tinha escolaridade e emprego fixo e tinha que desenvolver seu trabalho com as mãos. Ele não tinha, por exemplo, ideia de preço no começo; só depois que se deu conta do valor de algumas peças, até porque xilogravura é um trabalho que sempre foi caro. Então eu diria que todo o sucesso conquistado fez com que ele compreendesse o valor do seu trabalho, mas sem nunca, até o último dia de vida, deixar de lado a simplicidade, a modéstia e a honestidade. Essas são as maiores lições que eu aprendi com ele. E uma das minhas maiores alegrias é ter inaugurado meu ateliê com ele ainda em vida."