| |
Foto: Alan Rodrigues |
Ampliando suas ações de acessibilidade e atualizando discussões a partir de uma fábula clássica, o grupo Bote de Teatro traz ao Hermilo Borba Filho, no centro do Recife, hoje e amanhã, às 20 horas, a nova temporada do espetáculo gratuito Salto, primeira intervenção do coletivo em 2024. A peça é uma adaptação livre e adulta da obra Os músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, na qual, originalmente, quatro animais domésticos se rebelam contra os maus-tratos de seus donos e decidem fugir para se tornar músicos. Trazendo ao contemporâneo provocações políticas já refeitas de diferentes maneiras ao longo do tempo em outros trabalhos, o projeto estimula a inclusão e as diferenças desde sua concepção artística até a execução logística.
O coletivo recifense está ativo desde 2019 e é composto por Cardo Ferraz, Daniel Barros, Inês Maia e Pedro Toscano, trazendo neste projeto a atriz convidada Una Martins e a coordenadora de acessibilidade Priscilla Siqueira, fundadora da Vale PCD, primeira ONG voltada para o protagonismo de pessoas LGBTQIAPN+ com deficiência no Brasil. Para este espetáculo, a organização traz ações em libras, atividade sensorial/autodescrição, assistência de profissionais da acessibilidade, infraestrutura acessível e ainda parceria com o programa 'Pernambuco Conduz' para transporte acessível.
Um dos objetivos principais de Salto, utilizando a fábula como base, é expor problemáticas como muito antigas na sociedade (já que a obra original é do século 19), demonstrando como, no meio de diferentes momentos autoritários e/ou carregados de concepções distorcidas de poder, a arte insurge como provocação e despertar. A própria montagem Teatral de Chico Buarque, Os Saltimbancos, da década de 1970, também possui uma conexão clara com o período de exílio enfrentado pelo artista e por sua família. De acordo com o ator e diretor Pedro Toscano, a intenção do grupo ao reimaginar a estrutura era justamente propor um olhar mais adulto e representado por diferentes minorias, indo para um caminho bem diferente, ao final, de Os músicos de Bremen.
"Em 2019, a gente começou a escrever uma dramaturgia própria em que discutíamos questões da sociedade contemporânea e o que poderíamos fazer para, dentro do nosso alcance, encontrar uma forma mais justa de existir no mundo, de estar em grupo e de mover algo. Foi aí que esbarramos em Os Músicos de Bremen. Dentro do que estávamos pesquisando na época, claro que passamos também pelos Saltimbancos, mas como o trabalho de Chico é voltado para o lúdico e o infantil, nós acabamos voltando mesmo para a base dos Irmãos Grimm e a partir daí buscamos colocar uma carga política mais fria mesmo", contou o encenador em entrevista ao Viver. "Nossa provocação dessa vez é perguntar ao espectador que tinha Os Saltimbancos como espetáculo favorito da infância se ele de fato, hoje, acredita que juntos de fato somos fortes e vamos conseguir mudar o mundo? Estamos há muitos anos tocando nessa tecla e as coisas continuam aí, então precisamos refletir sobre a permanência de muitas coisas que nos assombram”.
Sobre a importância teatro democrático e acessível, Pedro ressaltou ainda como a acessibilidade destacada pelo projeto na verdade deveria ser em todos os projetos uma preocupação central. “A gente está tendo que tratar como algo extraordinário algo que deveria ser o mínimo no teatro, principalmente agora em que as coisas estão cada vez mais digitalizadas e imediatas e, portanto, uma de nossas preocupações é trazer o público de volta. Precisamos acolher todo mundo, independente de como cada um consegue absorver. As pessoas precisam estar aptas a ir ao teatro”, completou.
“Estamos proporcionando uma experiência imersiva para deficientes visuais, com visitas guiadas onde pessoas cegas e de baixa visão podem explorar as texturas, temperaturas das luzes, figurinos, conhecer o elenco e o espaço cênico por meio do tato, assim como disponibilizamos transporte acessível para buscar as pessoas com deficiência, com acompanhamento profissional neste ponto de encontro, facilitando o acesso ao teatro e possibilitando uma vivência tranquila e segura”, destacou Priscila Siqueira.
O projeto tem financiamento da Lei Paulo Gustavo, com apoio da Prefeitura do Recife.