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Foto: Mariamma Prieto |
Em julho de 1908, no bairro de São José, no centro do Recife, nascia o poeta Francisco Solano Trindade, uma das vozes mais importantes da produção literária brasileira na batalha contra o racismo e na exaltação da cultura afrodescendente. Escritor e artista negro, ligado por muitos anos a grandes peças de cultura popular e com quatro livros publicados em vida, ele morreu no interior de São Paulo em 1974, há 50 anos, e sua vida e obra estão sendo rememoradas e homenageadas pelo espetáculo 'Negra Palavra - Solano Trindade', realizado pelo Coletivo Preto e pela Companhia de Teatro Íntimo (Rio de Janeiro/RJ), que chega agora em Recife, com apresentação hoje, às 19 horas, no Espaço O Poste, no bairro da Boa Vista.
Através de uma linha do tempo, a peça passeia por diferentes cenas da vida do poeta, com imagens líricas que costuram performance, dança e música. Tudo foi escrito a partir das próprias poesias de Solano, conhecido por muitos como ‘Poeta do Povo’ por refletir sobre diversas problemáticas do país: fome, identidade racial, importância da ancestralidade e a vida do pobre e do trabalhador.
Projeto carioca que já circula desde seu lançamento, em 2019, pelo Rio de Janeiro, por São Paulo e agora pelo Nordeste, o espetáculo dirigido pelo ator, roteirista e apresentador Renato Farias teve sua gênesis quase duas décadas atrás, quando, enquanto aluno da linguista e escritora Conceição Evaristo, em 2006, ele passou a expandir seu leque de referências literárias para além dos nomes europeus e ocidentais. O contato com essa diversidade de trabalhos levou Renato a desenvolver um espetáculo sobre a própria autora (que viria a ser lançado este ano), mas ela mesma recomendou que priorizasse a história de Solano.
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Internet/Reprodução |
Em entrevista ao Viver, o diretor explicou as escolhas criativas que o Coletivo pensou para narrar a vida do poeta, destacando a estrutura poética. “A lógica do espetáculo é pensada a partir de um projeto de pesquisa chamado 'Poema em cena', que consiste em tratar o poema como palavra-base de uma dramaturgia. Todo o roteiro é feito de poemas dele que, ao mesmo tempo que constroem uma narrativa, apresentam o poeta para quem assiste. É muito rica essa possibilidade de, com a própria obra, você mostrar a pessoa, a luta, os temas mais importantes e poder colocar 10 homens negros no palco para dar vida a essa história”, enalteceu.
Destacando a importância que Conceição Evaristo teve na concepção do projeto, Renato Farias falou ainda sobre a mudança no seu olhar a partir do contato com obras de fora da bolha da branquitude. "Conceição abriu um novo horizonte para mim e nós permanecemos amigos até hoje. Ela foi essencial na minha vida para conhecer autores negros e para observar o apagamento presente em obras de autores brancos. Conhecer o trabalho de Solano foi entender de verdade o lugar de protagonismo de pessoas negras, no qual elas se veem de fato retratadas em uma poética. Para mim, como pessoa branca, foi revolucionário por perceber como nós temos dificuldade de ampliação dos nossos mundos. Solano me mostrou como é infinita a riqueza cultural fora das bolhas da branquitude", explicou.
"Trazer finalmente para o terra dele é uma emoção que não dá nem para colocar em palavras, tanto por viver os lugares que ele viveu como pelas pessoas que fizeram de algum modo parte de sua vida. É um legado que, mesmo tímido perto do que ele merece, está aqui e permanece aqui no Recife. Para o elenco todo e para mim, tem sido uma sucessão de maravilhas, uma oportunidade de aprofundar ainda mais o que temos pesquisado nos últimos anos”, concluiu Renato.