'Barba Ensopada de Sangue', com Gabriel Leone, mergulha no lirismo sombrio do litoral sul

Adaptado do elogiado livro homônimo de Daniel Galera, publicado em 2012, o thriller dramático Barba ensopada de sangue, exibido em competição no 52º Festival de Cinema de Gramado, é mais um capítulo na versátil jornada nacional e internacional de Gabriel Leone, em um ano particularmente atribulado para o ator carioca - primeiro com Ferrari, de Michael Mann, depois com a série Senna, que sai na Netflix no final do ano, e ainda as gravações de O agente secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho, quase totalmente finalizadas.

Neste filme, dirigido e adaptado para o cinema por Aly Muritiba (que também apresentou em Gramado o piloto da série Cidade de Deus: A luta não para), Leone interpreta um homem que, após a morte do pai, vai até uma pequena cidade de pescadores, outrora localidade célebre pelas caças de baleias, para descobrir a verdade sobre o desaparecimento do seu avô, homem notoriamente odiado por todos na região. A presença do personagem nessa comunidade vai gerar uma sequência ascendente de situações brutais, que revelam um passado sombrio daquele lugar o qual ele não fazia ideia.

Com um bom sotaque gaúcho e uma grande barba postiça perfeita para essa caracterização, o ator se coloca em um desafiador papel de sentimentos e obsessões internalizadas. Na jornada visualmente muito bem orquestrada por Muritiba, que adota uma linguagem ainda mais formalista e lírica do que de costume, Gabriel (também o nome do personagem) está longe de ser um personagem de fácil envolvimento emocional e suas motivações nem sempre são tão claras para o público assimilar - o que pode tornar a primeira metade algo impenetrável.

Entra em cena a relação entre Gabriel e a guia da região Jasmine (Thainá Duarte), que acaba sendo um portal tanto para parte desse passado mas também para a possibilidade de libertação daquele lugar. Conceitualmente, é uma personagem muito importante na história, mas, no desenrolar do filme, ela acaba não sendo bem aproveitada como poderia e a temperatura das cenas dos dois nunca parece se encontrar nem no realismo nem no antinaturalismo. Nesse aspecto, Deserto particular parece um filme dramaticamente melhor resolvido, com coadjuvantes que registram bem nesse tom de 'poesia realista' e que são mais bem tratados pelos desdobramentos do roteiro. 

Barba ensopada de sangue melhora bem quando assume seus códigos de gênero, que, agora altamente experiente nas séries e com vários longas no currículo, o diretor manipula com notável solidez. Esse academicismo formal pode gerar algum descontentamento naqueles que procuram as subversões de outros trabalhos da competição de Gramado (como Cidade; Campo, que repensam estruturas do cinema de gênero a partir de temas), mas a estrutura de revelações do terço final do longa e a ambientação sombria do litoral sul - a luz noturna é particularmente belíssima - tiram o resultado de uma certa indiferença dramática do começo para um desfecho satisfatório.

Ao Viver, Gabriel Leone destacou a riqueza do personagem e a complexidade desse trabalho de introspecção. "Apesar desse personagem ser um protagonista dessa história, alguém que conduz a gente pela narrativa, ele é também bem silencioso. O filme tem um caráter de investigação através das ações dele, mas a trama acaba sendo como um épico interno e não externo. Não há grandes acontecimentos externos, na verdade, tudo é um turbilhão de coisas que se movem dentro desse cara", comentou.

 

"Enquanto ator, é um enorme desafio e um tipo de coisa que eu valorizo muito inclusive enquanto espectador de cinema. Admiro esse trabalho de sutileza, de silêncios, de coisas que não são ditas mas que estão presentes ali e foi precisamente isso o que me atraiu nesse projeto e ver na tela aqui em Gramado foi ver o resultado lindo do que a gente fez impresso na tela", completou o ator. 

O filme ainda não possui data de lançamento nos cinemas.