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Versão musical de 'Meninas Malvadas' já está em cartaz nos cinemas. Paramount/Divulgação |
Poucos filmes são um retrato tão fidedigno de sua época e ao mesmo tempo inequivocamente atemporais quanto Meninas malvadas, de 2004, escrito por Tina Fey e dirigido por Mark Waters. A comédia adolescente se tornou um dos maiores e mais influentes do gênero e chegou a ganhar uma sequência feita diretamente para a televisão anos depois de seu lançamento. Em 2018, ganhou também uma adaptação para a Broadway, a qual é adaptada agora em um novo longa – desta vez, musical.
Em cartaz, o novo Meninas malvadas retoma toda a trama célebre do original: Cady (Angourie Rice) é uma adolescente de 16 anos que nunca frequentou uma escola e foi educada pelos pais a vida toda, com quem morava na savana do Kenya, leste da África, até ter de voltar aos Estados Unidos. Entrando finalmente no ambiente escolar, ela passa a compreender o sistema separatista que impera no universo insano do ensino médio norte-americano e, logo na primeira semana, é convidada para almoçar justamente com topo da cadeia alimentar do colégio, as patricinhas Gretchen (Bebe Wood), Karen (Afantika) e, principalmente, Regina George (Renée Rapp).
A transformação de Cady – interpretada por Lindsay Lohan no filme de 2004 com perfeição – em uma das garotas plastificadas, à medida em que ela tenta conquistar seus objetivos na escola, é um arco fascinante que este Meninas malvadas faz o possível para manter intacto. Ajuda bastante que Angourie Rice tenha o carisma necessário para que sua Cady ganhe vida própria, característica que se estende para quase todos os atores. Renée Rapp, como Regina, faz jus a uma das mais emblemáticas antagonistas das últimas décadas e adiciona uma agressividade gestual ao icônico veneno cortante de Rachel McAdams no primeiro filme. Entre os membros originais do elenco, estão de volta apenas a própria roteirista Tina Fey e Tim Meadows, como a professora e o diretor que antes tinham um flerte e agora são de fato um casal.
Apesar da mesma estrutura narrativa e do texto principal se manter quase idêntico, é evidente que o aspecto musical dá um vigor diferenciado à proposta e os dois diretores Samantha Jayne e Arturo Perez Jr., estreantes em longa-metragem, mostram que compreendem bem o material e sabem brincar visualmente com a iconografia dele. As canções geralmente são filmadas com planos-sequência que buscam bem mais a fluidez dos movimentos e das coreografias do que o virtuosismo vaidoso tão comum nesse recurso. E o maior destaque em termos de número certamente fica com a excelente Afantika (papel originalmente de Amanda Seyfried), que rouba a cena sempre que aparece.
O senso de humor do texto de Fey, inclusive, brinca muito bem com a entrada das canções e consegue fugir da principal armadilha que Meninas malvadas teria montado para si mesmo: a absoluta previsibilidade. Visto que as músicas acontecem de maneira tão dinâmica, o filme frequentemente pega o público de surpresa ao fazer pequenas alterações em viradas conhecidas do enredo. E essas mudanças passam também, claro, pela presença da tecnologia/redes sociais, usadas menos como pretensão de comentário adicional e mais como atualização visual daquele imaginário.
A forma como Meninas malvadas usa os celulares e a montagem das músicas, na verdade, diz muito sobre as intenções do projeto não serem uma tentativa de substituir, se equiparar ou atingir o impacto cultural do clássico de 2004, mas uma brincadeira vigorosa e atualizada de um material que nunca perde a graça. O ensino médio, afinal, de lá para cá, ficou ainda mais selvagem que a savana.