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Vencedor da Palma de Ouro e indicado ao Oscar, 'Anatomia de uma queda' usa o gênero de tribunal para tratar da manipulação de narrativas e da verdade inalcançável

Publicado em: 26/01/2024 06:00 | Atualizado em: 25/01/2024 19:35

Atuação sóbria e emotiva de Sandra Hüller é grande destaque do filme (Diamond Films)
Atuação sóbria e emotiva de Sandra Hüller é grande destaque do filme (Diamond Films)
Morando em um chalé isolado numa montanha, no meio do inverno, a escritora alemã Sandra (Sandra Hüller) recebe em casa uma estudante de jornalismo para falar sobre sua carreira, mas seu marido Samuel (Samuel Theis), ouvindo música alta no piso superior, parece aumentar o som propositalmente para atrapalhar a entrevista, que acaba sendo remarcada. Pouco tempo depois, o filho do casal, Vincent (Swann Arlaud), um menino deficiente visual, volta de um passeio rápido com o cachorro quando encontra o corpo do pai morto sobre o gelo. O que inicialmente é tratado como uma queda acidental do sótão não demora a ganhar outra conotação à medida que as investigações avançam, e, rapidamente, Sandra se torna suspeita de assassinato.
 
Anatomia de uma queda, já em cartaz, venceu a Palma de Ouro em Cannes e está indicado a cinco categorias no Oscar (melhor filme, direção, roteiro, atriz e montagem). É notável como esse trabalho parte cuidadosamente da simplicidade da premissa para mergulhar na ambiguidade do processo. Após uma introdução paciente que estabelece os detalhes como um filme intimista de investigação, a diretora Justine Triet (do também ótimo Sibyl) entra por inteiro no drama de tribunal tradicional, no qual a protagonista precisa se defender de uma narrativa cada vez mais antagônica.
 
Além de emprestar seu nome à personagem, Sandra Hüller a interpreta num difícil registro entre a racionalidade e a intensa emotividade. Ela é confrontada de tantas maneiras – algumas verdadeiramente cômicas – pelo espetáculo que se faz do caso que, eventualmente, o público tem a chance de conhecer seu lado mais cru, para além da sua nata segurança com as palavras. Entendê-la com profundidade é um desafio potente e o roteiro e a direção de Justine Triet o contornam muito bem: o espectador cria um envolvimento maior com Sandra ao mesmo tempo em que, ironicamente, passa a considerar a possibilidade de sua culpa.
 
Vários paralelos são possíveis entre Anatomia de uma queda e outros trabalhos do gênero, mas ele guarda semelhanças inequívocas com a obra-prima Anatomia de um crime, 1959, de Otto Preminger, sobre um tenente acusado de matar um homem que teria violentado sua esposa. Os dois filmes têm em comum tanto essa ambiguidade de uma história inicialmente comum – cujas perguntas levam mais a novos questionamentos do que a respostas concretas –  quanto a análise minuciosa de julgamentos em que os debates moralizantes importam mais do que as evidências. Chega um ponto, por exemplo, em que até a orientação sexual da personagem é trazida à tona como o centro do caso, no que fica claro ser o início de uma construção de narrativa totalmente fora do espectro criminal. 
 
Anatomia de uma queda relembra com contundência a máxima de que a verdade cristalina jamais será conhecida na maior parte dos casos e que o lado vencedor não é necessariamente aquele que a detém, mas o que domina a melhor história em sua volta. Assim como no recém-lançado Segredos de um escândalo, que também lida com recortes da realidade feitos por olhares externos, Justine Triet entende que pode ser bem mais interessante dissecar a complexidade dos sentimentos humanos do que entregar resoluções numa bandeja. Cada um provavelmente vai sair com sua própria ideia do que de fato ocorreu, mas a experiência é tão cheia de nuances que não vai faltar material para discussões após a sessão.

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