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Notícia de Divirta-se

RETRATOS FANTASMAS

Recife: cinemas e mutações

As memórias guardadas pelas salas de cinema e as transformações do centro da capital pernambucana ganham olhar de homenagem e devoção no documentário 'Retratos fantasmas', de Kleber Mendonça Filho

Publicado em: 14/08/2023 08:13 | Atualizado em: 14/08/2023 09:05

Diretor faz paralelo entre a história de seu apartamento em Boa Viagem e alterações no arranjo urbanístico do Recife  (André Guerra)
Diretor faz paralelo entre a história de seu apartamento em Boa Viagem e alterações no arranjo urbanístico do Recife (André Guerra)

Foram vastos os sentimentos da plateia do 51º Festival de Gramado ao fim da sessão de Retratos fantasmas, de Kleber Mendonça Filho, que abriu a edição deste ano no último sábado. Recebido de modo caloroso e cheio de ansiedade, o documentário do cineasta de O som ao redor, Aquarius e Bacurau é uma união poderosa de saudade, tristeza, orgulho, admiração e nostalgia - pelo que se viveu e pelo que só se ouviu falar - sobre o Recife, em particular o centro da cidade.

Espectadores que desconhecem as nuances, esquinas e personagens que compõem esse quadro da capital pernambucana terão a oportunidade de viajar no tempo junto com o filme para tentar descobrir, junto com ele, o que transformou uma das regiões mais movimentadas da época em um cenário hoje dividido entre festas e ruínas. Para o público recifense, porém, a experiência de assistir a essas mesmas calçadas, pontes e sobretudo salas de cinema naturalmente toca de forma profundamente emocional.

Distribuído em três capítulos, recurso comum na filmografia do diretor, Retratos fantasmas é constituído de imagens de arquivos pessoais, trechos de outras obras, registros de domínio público e filmagens realizadas por Kleber nos últimos seis anos %u2013 algumas, inclusive, de ficcionalização. O ponto de partida é o apartamento em que ele morou ao longo de toda a vida (no qual O som ao redor foi rodado), as transformações pelas quais esse ambiente passou, as mudanças na vizinhança, na vista e no clima de convivência, as pessoas da sua família que passaram por ali e deixaram suas marcas. A perspectiva pessoal é ainda uma forma de contextualizar o início da paixão do realizador pelo fazer cinematográfico e pela capacidade da sétima arte de dimensionar em grandiosidade aquilo que parece corriqueiro e banal.

Tal qual o prólogo do irmão-gêmeo temático Aquarius, que também abria criando alicerces afetivos para então expandir suas discussões, Retratos fantasmas sai do apartamento e guia o olhar do espectador em direção ao centro do Recife e as histórias escondidas por trás dos cinemas de rua que, à exceção do São Luiz, foram fechados há muitos anos, com destaque para o Moderno, Veneza e Art Palácio.


As memórias afetivas de Kleber sobre cada um desses espaços e pessoas que passaram por eles ajudam, através dessas imagens melancólicas, a narrar o esquecimento de prédios públicos imponentes, de esvaziamento de ambientes outrora badalados e de desvalorização deliberada dos centros históricos %u2013 razão pela qual o longa deve ser de fácil identificação em outras grandes capitais do Brasil. Apesar de não necessariamente verbalizado pelo diretor-narrador, o comentário sobre a desromantização das salas é evidente tanto na descrição honrosa do São Luiz como um templo cinefílico quanto nas tomadas internas de edificações esperando a transformação corporativista.

O cinema urbano de Kleber, desde os curtas, sempre teve ligação com o terror (seja na insegurança da cidade ou mesmo no aspecto sombrio de certas ambientações) e, nesse sentido, Retratos fantasmas não é tão diferente. A forma como o diretor mostra as mutações sofridas pelos prédios é triste e assustadora, sentimento reforçado por um trabalho sonoro minucioso com ruídos mesclados à formidável trilha sonora.
No meio da devoção e melancolia contidas na carta de amor que é o filme, nota-se a esperança de que essa coleção de memórias represente não uma visão fechada no passado, mas um olhar crítico em busca de renovação. Ao juntar imagens de todas as décadas possíveis em vai-e-vem constante, Retratos fantasmas revela a vida pulsante embaixo dos escombros ansiando por um olhar de cinema.






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