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Crédito: Divulgação |
Nesta quinta-feira (6) a Galeria Amparo 60 abre a exposição Vértice, de Clara Moreira e Fefa Lins, com curadoria de Clarissa Diniz. A mostra fica em cartaz até agosto e celebra as aproximações, diálogos e distanciamentos entre os trabalhos dos dois artistas, nomes de destaque da cena figurativa brasileira contemporânea. Ao propor apresentar o trabalho de artistas do seu casting em conjunto a galeria aproveita também para comemorar os seus 25 anos de trajetória, completados em 2023.
“Neste ano tão importante para a Amparo 60, pensamos num calendário de exposições que dialogassem com nossa trajetória. Estamos apresentando esse percurso nas feiras que estamos participando, e, na galeria, estamos convidando artistas do nosso casting para comemorar junto com a gente. E celebrar a produção de Fefa e Clara, artista de um nova geração, nesse momento especial nos pareceu bastante pertinente”, explica a galerista Lúcia Costa Santos.
Tanto Clara como Fefa encontram na pintura e no desenho seu principal suporte de criação, e, nos últimos anos, vêm colecionando coincidências. “Durante a SP-Arte do ano passado, começamos a perceber alguns encontros entre os nossos trabalhos. As obras que estávamos apresentando lá eram autorretratos, com o corpo em destaque, o posicionamento das cabeças bem similares. Os desenhos apresentados juntos chamavam a atenção, fortaleciam um ao outro, ainda que tivessem vida própria”, lembra Clara Moreira. Pouco depois dessa edição da feira, ambos foram indicados ao Prêmio Pipa daquele ano.
Nos bastidores, na intimidade, os artistas também tinham grande aproximação num diálogo fecundo, no qual falavam de tintas, papéis, pincéis, misturas, histórias de ateliê e conversas sobre o fazer artístico. “Queríamos mostrar esses diálogos, botar em evidência essas coincidências, mostrar as diferenças. Trocar figurinhas, mostrar esse encontro tão antigo”, conta Fefa. A ideia ganhou ainda mais força este ano, quando Clara e Fefa tiveram, durante a mesma SP-Arte, obras adquiridas para compor o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Os dois artistas expuseram na Amparo em 2021 (em exposições individuais) e, agora, o que apresentam é um recorte dos processos e pesquisas que se iniciaram após essas mostras. Produções que foram feitas no ateliê de cada um e que podem ganhar novas leituras sendo vistos juntos. “Essa dupla vive um momento muito bom, com um reconhecimento cada vez maior da potência de suas obras. Precisamos celebrar esse ciclo”, comenta Lúcia Costa Santos.
Com esse desejo, os artistas convidaram Clarissa Diniz, curadora com a qual vinham dialogando de forma mais direta nos últimos dois anos dentro do POPAV (Programa de Orientação em Projetos de Artes Visuais), um projeto do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP. “O processo curatorial foi bastante fecundo, indo muito além da escolha das obras. Nos reunimos algumas vezes com Clarissa em longas conversas que traziam muitas provocações e movimentações”, lembra Clara.
“No processo da curadoria, conversamos bastante sobre identificações entre as pesquisas de Fefa e Clara, estendendo afetos entre as obras e seus sujeitos. É uma curadoria marcada por amizade e confiança, pela construção de relações de intimidade e pela possibilidade de tocar uns aos outros, produzindo vértices que tanto conectam quanto singularizam. É uma exposição cujo processo de construção se soma ao da vida, fortalecendo laços que surgem na arte, mas certamente não se restringem a ela”, explica Clarissa.
Nessas trocas, as questões de gênero, maternidade e território surgiram, tanto no que aproxima, quanto no que diferencia e singulariza. De acordo com a curadora, as relações entre "o gênero do retrato" e o "retrato de gênero" – que marcam as duas produções – foram o ponto de partida da mostra que se expandiu, lançando luz também sobre os processos de ateliê, os textos, as narrativas escritas e registradas por cada um dos artistas durante seus processos de criação. Desse olhar sobre a palavra, nasceu a obra sonora produzida em parceria com a artista Anti Ribeiro. As vozes de Clara e Fefa são postas e sobrepostas num diálogo (muitas vezes dissonante) formado pela leitura de seus diários e cadernos. “Somos artistas contemporâneos que trabalhamos com suportes super tradicionais e, com essa obra sonora, estamos vivenciando novas experimentações, criando uma outra ambiência para a exposição”, comenta Fefa.
O duo vai apresentar 14 trabalhos, muitos deles inéditos. “Fefa e Clara compartilham interesses pelo retrato enquanto gênero (ambos se filiam a dimensões canônicas do desenho e da pintura, tensionando-as) e pelos gêneros (no sentido da identidade de gênero) implicados nas políticas de representação. Acredito que, assim, inscrevem suas vizinhanças a uma história da arte que é amplamente clássica, eurocentrada, branca e masculinista desde uma torção: a de protagonizar o corpo da mulher, o corpo transgênero, a experiência da maternidade. O fazem também ao investigar a tradição da alegoria e da fabulação na arte, mas não anseiam transformar suas obras em janelas do poder tal como têm feito as alegorias históricas (especialmente produzidas pela igreja, pelas monarquias e pelo Estado). Acredito que fazem uso dessa tradição alegórica e retratística para colocar em primeiro plano a dimensão cotidiana e quase invisível da vida e da subjetividade, que encontram um imaginário (que adquirem corpo, imagem, carnalidade) emsuas obras, fazendo com que aspectos de suas vidas íntimas possam habitar o espaço público e, dessa forma, transformá-lo na mesma medida em que ele é ocupado por suas perspectivas”, reflete a curadora.
A montagem e a expografia também foram concebidas levando em conta as aproximações e distanciamentos entre as obras, experimentando, indo além da clássica disposição dos quadros nas paredes. “Pensamos numa forma diferente de apresentar alguns dos nossos trabalhos, montamos uma espécie de biombo com algumas obras de grandes dimensões que serão exibidas ligadas e conectadas no salão. Como elas podem ser moduladas, ao mesmo tempo que elas se aproximam e se tocam nos vértices, elas se distanciam”, detalha Clara. “Essa ideia desse núcleo grande com obras ligadas nos ângulos, dá a moldura também uma função estrutural, de sustentação. Essa será uma coletiva com gosto de individual, é um duo. O meu trabalho, o trabalho de Clara e o que a gente cria junto”, complementa Fefa.
Ao longo da mostra, os artistas desejam promover uma série de ativações, lembrando o papel formativo que a Amparo 60 teve ao longo desses seus 25 anos. “Queremos promover ações, chamar o público para discutir, debater. Precisamos desses espaços na cidade”, diz Clara. O primeiro evento já está agendado para a sexta, dia 7, às 19h, quando acontecerá um bate-papo especial com a curadora Clarissa Diniz.
A exposição também vai fazer parte do Circuito Fenearte, que acontece entre 5 e 16 de julho, no Centro de Convenções. Nesta edição, a feira vai promover um circuito com translado para levar o público para outros equipamentos culturais na cidade. “Julho será um mês bastante movimentado, teremos também o Art-PE, no Cais do Sertão. Será maravilhoso ter uma exposição potente como essa em cartaz por aqui”, comemora a galerista Lúcia Costa Santos.