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Diamond/Divulgação |
Na virada do ano na cidade de Baltimore, a mais populosa do estado americano de Maryland, os sons dos fogos e os gritos de comemoração de repente se confundem com tiros e berros de desespero. De uma janela misteriosa, um atirador atinge em cheio dezenas de vítimas de diferentes gêneros, idades e raças e, logo em seguida, explode o apartamento de onde partiram os disparos. Dada a natureza aleatória e brutal do crime, o FBI entra rapidamente em cena sob o comando de Lammark (Ben Mendelsohn), que percebe na jovem policial Eleanor (Shailene Woodley) um talento nato para compreensão desse caso e a coloca na linha de frente da investigação, junto com o investigador Jack (Jovan Adepo).
Apesar do tom pesado, da violência e da seriedade dos assuntos que paulatinamente chegam à superfície, Sede assassina, em cartaz, é um thriller inequivocamente convencional no que diz respeito ao andamento do mistério (as pistas falsas, as dificuldades políticas da investigação, a negligência das autoridades competentes, os erros que resultam em descrença, o embate final) e à radiografia da cidade, filmada num inverno opressor e com inúmeras cenas noturnas que destacam a luz dos apartamentos como uma infinidade de alvos – e suspeitos – prováveis.
Igualmente familiar é o drama da protagonista, Eleanor, cujo passado esconde traumas que simultaneamente a colocam em posição de desconfiança perante os superiores do FBI e de confiança na visão do seu chefe, Lammark. O mote de um personagem central quebrado, em constante luta interna, é básico na construção de empatia com o público e, aqui, ainda serve como justificativa ao seu comportamento intuitivo com relação à identidade do assassino.
Em princípio, nada disso atrapalha o envolvimento com o suspense de Sede assassina, que é conduzido por Damián Szifron (do brilhante Relatos selvagens) com total consciência do gênero e de suas ferramentas. Longe do diretor argentino tentar mudar tradições do thriller policial ou passar um verniz de autoimportância nessa sua estreia em Hollywood – que, a julgar pelo sucesso nos Estados Unidos do seu último longa, demorou a acontecer.
Se há um interesse mais específico no roteiro, também assinado por Szifron, é no argumento de que o ódio, a intolerância e a ânsia de aniquilação constituem a base da cultura norte-americana e não se manifestam apenas nesses episódios hediondos. O fato de Sede assassina ser dirigido por um cineasta estrangeiro e de selecionar três protagonistas pertencentes a minorias sociais (uma policial mulher, um detetive homossexual e um investigador negro) definitivamente não são à toa. É um filme em que, justamente devido à quantidade e imprevisibilidade dos assassinatos, a ideia de vilania está em todo lugar o tempo inteiro, sobretudo no sistema.
É uma pena que, no terceiro ato, o diretor ceda à verborragia e troque a sua sobriedade por uma sequência que, além de pouco crível, é moralmente questionável. A premissa de humanização é válida nesse tipo de thriller, mas aqui a coisa foge um pouco do controle e corre o risco de ser interpretada como relativização. Até ali, no entanto, Sede assassina é suficientemente bem ancorado nas interpretações centrais e no tratamento desse tema que – num contexto de ataques de ódio armado crescentes – se torna a cada dia mais assustador.