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LITERATURA

Jornalista holandês detalha em livro a cumplicidade de empresários com Hitler

Publicado em: 22/05/2023 08:47

 (Foto: Zydowski Instytut Historyczny/Instytut Naukowo-Badawczy/Divulgação)
Foto: Zydowski Instytut Historyczny/Instytut Naukowo-Badawczy/Divulgação
Quando era repórter da Bloomberg News em Nova York, David de Jong costumava ser escalado para escrever matérias sobre os países de língua germânica. Todo ano, viajava para a Alemanha, Áustria e Holanda e voltava com reportagens marcadas pela mistura entre finanças, negócios e fatos históricos. Foi quase inevitável se deparar com uma situação perturbadora: parte da pujança da Alemanha do século 21 foi construída em cima dos escombros de um genocídio e de um dos regimes mais cruéis da história contemporânea.

O resultado dessa constatação está em Bilionários nazistas, fruto de uma investigação da trajetória de cinco das maiores empresas alemãs durante a Segunda Guerra mundial e como elas contribuíram para enriquecer o terceiro reich de Hitler e alimentar a máquina nazista. Volkswagen, Dr. Oetker, BMW, Porsche e Allianz não são as únicas grandes corporações alemãs a terem contribuído com Hitler e usufruído das benesses resultantes dessa parceria, mas foram escolhidas por Jong por ainda serem controladas pelas mesmas grandes famílias que estavam à frente dos negócios nas décadas de 1930 e 1940. "Essas companhias sempre celebraram os pais, avós e patriarcas pelo sucesso dos negócios, mas deixavam de fora os crimes de guerra e as afiliações nazistas. Falavam como fizeram um trabalho lindo, reconhecendo o passado, mas estavam, na verdade, escondendo o passado, lavando a história. E por isso decidi escrever o livro, porque queria jogar luz nessa história", explica o autor.

Ele lembra que outras famílias também fizeram fortuna com o nazismo, mas não estão mais à frente das empresas e não são influentes, caso da Thyssen e da Cooper. De Jong queria focar nas famílias. Para entrar no livro, não bastava apenas que fossem relevantes hoje, mas que estivessem entre os maiores criminosos ou entre os maiores beneficiados do Terceiro Reich em termos de produção. "Eles roubaram as empresas do judeus e exploraram trabalho escravo em larga escala", diz.

Bilionários nazistas é uma imersão detalhada na maneira como se desenvolviam as relações entre os nomes mais poderosos do regime nazista e os empresários. Do financiamento da campanha de Adolf HItler à produção de armas e dos uniformes das SS, da apropriação das fábricas e empresas pertencentes a judeus à criação de coleções de arte formadas por obras saqueadas a pedido de Hitler, são muitos os caminhos percorridos por nomes até hoje venerados como patriarcas, que dão nomes a prédios, complexos industriais, prêmios e fundações. Eles estiveram à frente de impérios que ajudaram na construção da riqueza germânica.

Foi Ferdinand Porsche quem convenceu Hitler a produzir o Fusca. O ditador queria imitar Henry Ford, que anunciava a produção em série de um carro popular acessível nos Estados Unidos. Porsche viabilizou o desejo. Filho de Ferdinand, Ferry, que desenhou o primeiro carro esporte da Porsche, foi mais adiante e se tornou voluntário das SS, o braço militar do partido nazista. Magnata do ferro e do carvão, Friederich Flick, que viria a ser um dos principais acionistas da Daimler-Benz, não viu problemas em utilizar o trabalho escravo dos campos em suas fábricas e Günthe na mão de obra forçada. Os Quandt são os patriarcas de um império hoje no comando da BMW e Herbert chegou a construir um subcampo de concentração na Polônia.

Para de Jong, o que mais choca é que a Alemanha sempre foi um país empenhado em revisar o passado nazista e em trabalhar para evitar que a história se repetisse, mas não conseguiu levar a transparência aos atores mais poderosos da cena econômica. "É perturbador, a realidade é perturbadora", constata o autor. "Há uma lacuna na desnazificação da Alemanha Ocidental. Basicamente, houve uma continuação de dinheiro e poder da Alemanha Nazista para a Alemanha Ocidental e não foi só na Alemanha, foi um fenômeno global porque são companhias globais. São marcas muito conhecidas no mundo inteiro."

Entrevista com David de Jong
Quais foram os maiores desafios da pesquisa? Você se sentiu ameaçado, em algum momento? Afinal, são grandes corporações até hoje.
Nunca recebi nenhuma ameaça legal ou outro tipo, porque as famílias querem ignorar isso. Se eles mandarem uma carta de uma advogado para um jornalista ou de RP é a pior coisa que podem fazer porque vão atrair muita atenção da mídia. E o que querem é serem ignorados o máximo possível, receber o menos de atenção possível. A parte mais difícil, claro, foi fazer toda a pesquisa, ir de NY para Berlim em outubro de 2017, o livro só ficou pronto em 2020, então levou 2,5 anos para fazer toda a pesquisa e escrever, enquanto fazia frelas. Mas o mais difícil foi penetrar nos arquivos. Sou holandês, escrevi um livro em inglês, mas todas as fontes eram em alemão. E eu tinha que ser muito preciso porque se cometesse erros estaria me expondo a riscos legais. Alguém podia me processar, então tive que ser muito cuidadoso, fazer a pesquisa e estar certo que meus fatos estavam corretos.

Você acha que o livro pode ter algum tipo de impacto no consumo de produtos produzidos por essas empresas hoje?
Não sei. O que acho importante alertar é que o montante que eles gastam em projetos pode ir para manter fundações globais, prêmios de mídia, museus, pesquisas acadêmicas, corporate headquarters, no nome dos negócios dos patriarcas e aí não vemos criminosos de guerra. Isso é algo que você precisa saber ao gastar o dinheiro. Que esse dinheiro pode ir para manter instituições no nome de criminosos de guerra nazistas.

Como podemos dar uma perspectiva contemporânea para o que aconteceu na indústria alemã nos anos 1930? Isso pode acontecer novamente? Com os extremismos, por exemplo?
São muitos paralelos nos dias modernos, veja Rússia por exemplo. Há muitos paralelos entre a Alemanha nazista e a Rússia, a solidão da República de Weimar nos anos 1920 comparada à solidão da Rússia com Yeltsin em 1990, e agora com os oligarcas que explicitamente fizeram com Putin consolidar seu poder na economia russa o que é incrivelmente lucrativo por décadas, entre 2000 e 2021, por duas décadas. E isso é muito similar ao que os industrialistas alemães tiveram com Hitler, que prometeu prosperidade econômica e estabilidade e entregou isso. Então há muitos paralelos. E vc está certa, no capitalismo, mesmo que a essencial seja imoral, o dinheiro vai fluir, negócios você faz num regime democrático ou num regime ditatorial. Lucro é lucro. O negócio não pensa isso é bom ou ruim, os executivos. São os donos que decidem e não se baseiam na política da, e as grandes empresas, por exemplo, não deixaram a Rússia. Elas disseram que o fariam, mas não deixaram, BP, Shell, os grandes supermercados.

Mas estamos mais alertas para isso?
Há um senso de alerta maior e também um ativismo maior. Eu estou muito curioso para saber se isso se transforma em decisões de consumos, mas acho que é insignificante. Isso acontece mais com o meio ambiente, em que as pessoas decidem, digo isso para a europa, porque as pessoas têm esse luxo, que dizem ah não vou mais voar e pegam o trem, mas acho que isso é um luxo do mundo ocidental. Se você pensar na África, Ásia, ou até na América do Norte, não tem trem, você tem que voar para ir a algum lugar. Se você olhar para a América sob Trump, as pessoas não tomaram decisões ou boicotaram as empresas baseadas em se estavam ou não financiando Trump, ou as big tech. As pessoas ficam muito focadas, mas acho que quando se trata de grande consumo não tem um impacto.
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