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CRÍTICA

Em 'Beau tem medo', Ari Aster leva Joaquin Phoenix numa odisseia surrealista comicamente sádica

Publicado em: 27/04/2023 08:58 | Atualizado em: 27/04/2023 08:21

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação
Em ascensão meteórica desde que dirigiu dois dos maiores fenômenos do cinema de horror contemporâneo, Hereditário e Midsommar: O mal não espera a noite, o diretor Ari Aster angariou suporte suficiente para conseguir realizar, no terceiro longa, o mais ambicioso de sua carreira, que vem gestando há cerca de uma década.

Beau tem medo, em cartaz, é o tipo de produção tão pessoal e arriscada que só deixam alguém fazer quando atinge esse patamar de prestígio. Como em casos semelhantes, o custo da aposta foi alto: não apenas o filme fracassou retumbantemente na estreia comercial como, do ponto de vista criativo, ficou preso na promessa.

Joaquin Phoenix interpreta o personagem do título, um homem que mora num prédio que mais parece um refúgio de um mundo pós-apocalíptico, já que a rua está completamente tomada por assassinatos e pessoas vagando a esmo. Preparando-se para visitar a mãe após anos longe, Beau precisa encarar o turbilhão de obstáculos bizarros que surgem na sua frente – e que vão além da visão de caos da sua vizinhança.

Durante esse primeiro ato comicamente desesperador, Beau tem medo evoca uma atmosfera de pesadelo e suspensão que remete desde Mãe!, de Darren Aronofsky, e até uma versão de terror psicológico da obra de Charlie Kaufman (em especial Sinédoque, Nova York). Apesar de o enunciado temático ser óbvio, Ari Aster localiza o espectador
nesse cenário como um bom intercalador de situações absurdas e mantém viva, ao menos durante um tempo, a sensação de curiosidade.

Quando o filme muda de cenário e dá início de fato à odisseia do protagonista até a casa onde nasceu, o excesso de manipulação do cineasta para tornar Beau um sofredor passivo quase patológico (e, no trajeto, ilustrar a relação de culpa e chantagem imposta por sua mãe) começa a transbordar ao ponto da anestesia. Ao perceber que o personagem é um objeto condenado pelo próprio filme antes mesmo de sua história começar, o espectador rapidamente não se angustia mais com seu martírio físico e mental. E, a essa altura, ainda há pela frente uma sucessão de sequências inertes e inexpressivas que sintetizam tudo o que o cinema alegórico/surrealista de inclinações terapêuticas tem sido nos últimos anos em seus piores momentos.

Até a atuação invariavelmente compromissada de Joaquin Phoenix como esse adulto infantilizado, perdido diante da crueldade do mundo, acaba se banalizando. Não há cometimento que resista, afinal, a uma narrativa incapaz de fazer a premissa evoluir para além de girar em ciclos. O problema não é necessariamente a falta de uma significação original para se debater traumas existenciais e toxicidades da maternidade, mas o desinteresse do filme com qualquer experiência de imersãonessa jornada. Beau tem medo ameaça embarcar na insanidade, na colisão jubilosa de ideias, mas, conforme as peças vão preguiçosamente se encaixando, sobram mais códigos vazios para interpretações fáceis do que cenas dramática ou sensorialmente impactantes.

A preocupação em fugir do gênero que o consagrou criando um “épico de estranheza” poderia ter gerado ao menos um caos recreativo em sua irregularidade, mas Ari Aster está tão concentrado enchendo artificialmente um fiapo de ideia que não percebe que, quando mais ele sopra, mais o ar sai do balão.
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