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CINEMA

'Bardo - Falsa Crônica de Algumas Verdades' mergulha na crise existencial de seu diretor e deixa plateia de fora

Publicado em: 20/12/2022 12:47

 (Diretor Alejandro G. Iñárritu retorna ao México e viaja pela crise existencial de seu alter ego no surrealista em filme escolhido pelo México para representar o país no Oscar de Melhor Filme Internacional. Netflix/Divulgação.)
Diretor Alejandro G. Iñárritu retorna ao México e viaja pela crise existencial de seu alter ego no surrealista em filme escolhido pelo México para representar o país no Oscar de Melhor Filme Internacional. Netflix/Divulgação.
Voltar ao seu país de origem e, no processo, entrar na espiral do próprio subconsciente resume bem o ponto de partida da jornada do jornalista mexicano Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho). Radicado em Los Angeles há 20 anos e passando por uma fase perceptivelmente melancólica, ele retorna ao México para receber um prestigiado prêmio pelo seu mais novo documentário, carregado em elementos pessoais e de linguagem altamente subjetiva. Entre momentos poéticos passados ao lado de sua esposa, conversas confessionais com os filhos e imagens oníricas que o assombram (sobretudo o trágico nascimento de seu primogênito, morto no pós-parto), instala-se ainda a crise de identidade de um homem que não consegue se encontrar mais numa terra que um dia chamou de lar.

Ainda que não seja completamente autobiográfico, o drama surrealista Bardo - Falsa crônica de algumas verdades, produção da Netflix candidata do México a uma vaga no Oscar de Melhor Filme Internacional, notoriamente reflete a crise existencial do diretor e, na mesma medida, a visão externa que se formou em torno de sua obra. Vencedor de dois prêmios de Melhor Direção seguidos na Academia (Birdman ou a inesperada virtude da ignorância e O regresso), Alejandro G. Iñárritu não filmava em solo mexicano desde o seu longa de estreia Amores brutos, lançado há mais de 20 anos, e, assim como Silverio, é constantemente inteirado da imagem de arrogância que passa com seus filmes e suas declarações.

Os paralelos do cineasta com o protagonista não param por aí: Iñárritu também é ciente de como quase todo o seu trabalho é associado à linguagem americana e às preocupações de autor referentes ao próprio sistema de Hollywood. Em Birdman, ele já havia explorado tanto a sensação de irrelevância e esquecimento de um personagem à beira da loucura quanto a visão mesquinha e antiquada que julga dominar parte da crítica de arte. Nesse aspecto, a interpretação mais fácil de Bardo - em meio a tantos estímulos visuais surrealistas e ecos claros da história do México - é a de que o longa funciona como uma demonstração de autoconsciência ególatra, já que Iñárritu parece estar constantemente admitindo a inevitabilidade da pretensão dentro do seu cinema.

Iñárritu/Silverio navegam à deriva, portanto, num limbo entre a impressão dos compatriotas diante de seu suposto afastamento da identidade mexicana e a fama de prepotente com a consagração na indústria. Falta espaço nessa viagem, porém, para uma experiência plena e autônoma com a sucessão de delírios estéticos promovida pelo filme, já que todas as cenas parecem vir carregadas com o peso de seu próprio significado e são todas filmadas numa nota de grandiloquência só. No somatório das ideias, na verdade, Bardo parte da premissa de uma desconstrução metalinguística do autor para reforçar as suas preocupações de sempre - neste caso, falar de si mesmo.
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