Pernambuco.com
Pernambuco.com
Notícia de Divirta-se

Música

'Sou um funcionário do carnaval', diz Edson Rodrigues, homenageado do carnaval do Recife, aos 77 anos

Publicado em: 27/01/2020 14:39 | Atualizado em: 29/12/2020 22:20

 (Foto: Peu Ricardo/DP Foto)
Foto: Peu Ricardo/DP Foto


Ainda menino, Edson Rodrigues seguia blocos de frevo pelas ruas dos bairros de Caixa d’Água, Peixinhos e Águas Compridas, em Olinda, para admirar os músicos. “Eu não pulava, preferia ficar observando os músicos suando, tocando saxofone para alegrar o povo”, recorda. Foi o começo do fascínio que acompanhou a vida do maestro de 77 anos. Em 1958, ele foi aprovado no concurso da primeira formação da Banda Municipal do Recife, atual Banda Sinfônica da Cidade do Recife, onde passou 42 anos. 

Sob direção artística de nomes como Nelson Ferreira, teve a oportunidade de tocar saxofone em coletâneas de frevo da Fábrica de Discos Rozenblit, que ditava as tendências e exportava o gênero para o resto do país. Sua história se confunde com os bastidores musicais do carnaval e, por isso, a Prefeitura que o admitiu há 60 anos agora o escolheu como um dos homenageados do Carnaval do Recife 2020, ao lado do centenário Bloco das Flores.

"Está sendo ótimo", resume o maestro, arranjador, saxofonista e compositor, sentado em um banco da Praça do Arsenal, no Bairro do Recife, num intervalo entre entrevistas para emissoras de TV e programas de rádio. "Eu sou um funcionário do carnaval. Assim como aqueles músicos que via na infância, ainda vou para a rua e dou tudo de mim para alegrar o povo. A música tem a missão de alegrar, e por isso ela vale a pena", diz.

GAFIEIRA À BANDA MUNICIPAL
 (Foto: Peu Ricardo/DP Foto)
Foto: Peu Ricardo/DP Foto


A relação de Edson Rodrigues com a música nasceu quando ele estudava na antiga Escola Industrial, localizada na Avenida Agamenon Magalhães. O maestro da instituição o chamou para fazer parte da orquestra. “Meu painão queria que eu estudasse música, porque músico tem tudo para ser pinguço (risos). Eu estudava escondido. Inicialmente eu tocava requinta, uma espécie de clarinete que hoje está em desuso. Era um instrumento que só dava dinheiro no carnaval, depois ninguém queria ouvir. Por isso comecei a me interessar pelo saxofone, que nos anos 1950 era um instrumento para o ano todo”, relembra. “Fui um menino pobre. Minha família não podia pagar aulas, então comecei a estudar meio que sozinho.” Sua principal escola foi a gafieira. Edson tocava no Clube das Pás, Lenhadores, Vassouras, entre outros.

Foi esse aprendizado na noite que o proporcionou um ingresso na Banda Municipal do Recife, em 1958. O grupo, financiado com verba pública, costumava ser convidado para tocar nos discos da Rozenblit. Em 1966, Nelson Ferreira, diretor artístico do selo, idealizou um álbum de 16 faixas. Momentos antes da entrega, a produção estava emperrada em 15. “Nelson chegou para o maestro Antônio Albuquerque e disse: ‘Olha, ainda cabe mais um frevo. Você tem alguma aí?’. Antônio mostrou um frevo meu chamado Duas épocas, que acabou entrando como a 16ª canção do projeto”, conta Edson.

No mesmo ano, Duas épocas foi considerado o Melhor Frevo pelo concurso da Prefeitura, que segue sendo realizado até hoje. "Foi o primeiro dinheiro que ganhei trabalhando como compositor. Recebi um dinheiro que lembro até hoje: 200 cruzeiros", diz, bem-humorado. E se passaram décadas visitando estúdios e participando de coletâneas. Em 1975, voltou a ser campeão com o frevo Recordando tabajaras. No ano seguinte, conseguiu emplacar sucessos como o maracatu Casa grande e senzala e o frevo-canção Minha Marisa. "A música que me deu mais satisfação, além de Duas épocas, foi uma homenagem a Chacrinha, em 1988", diz, referindo-se à atemporal Roda e visa, feita junto com Jota Michiles. "Quem vai querer / Abacaxi, banana e bacalhau / Olha a mãe do Russo / E a buzinada do seu Nicolau", diz um dos célebres trechos que continuam ecoando na folia pernambucana.

JAZZ
 (Foto: Peu Ricardo/DP Foto)
Foto: Peu Ricardo/DP Foto


Além de prestar tantos serviços ao frevo, Edson Rodrigues também usou o saxofone para ser pioneiro do jazz no Recife. A aposta no gênero começou por uma questão de sustento e foi sendo aperfeiçoada de modo empírico, ouvindo gênios como Stan Getz e Louis Armstrong. “Improvise jazz como Pixinguinha improvisava choro” era seu lema. “Eu tinha uns 26 anos e trabalhava em uma gráfica. O chefe começou a dizer que não tinha como me pagar na semana seguinte, então fui atrás de um sustento extra. Como eu já estava conhecido pela gafieira, fui convidado para tocar jazz em cafés da Rua do Imperador. Inicialmente, toquei em matinês, atividades que encerravam no começo do anoitecer”.

Seu primeiro disco solo só foilançado em 2012, quando tinha 69 anos. Atavismo, patrocinado pela Sociedade Independente de Comunicação Municipal, tem 18 faixas escolhidas a dedo pelo maestro. E não contempla o frevo, pois Edson também se destacou no jazz. “Ainda coloquei tango à moda Piazzolla e uma tarantela, composição musical popular do Sul da Itália. Eu também já sonhei em ser cantor, então também dou uma palinha cantando nesse álbum.” Enquanto atuava como músico, Edson nunca parou de estudar. Cursou jornalismo na Universidade Católica e chegou a estagiar no Diario de Pernambuco durante a década de 1970, atuando no caderno de Política. Também cursou geografia e, nos anos 1990, resolveu estudar música na Universidade Federal de Pernambuco, como uma compensação pelos ganhos na trajetória de músico. Emendou com uma pós-graduação em etnomusicologia.

"O CENÁRIO É TRISTE"
Para um show realizado no sábado (25) no Teatro de Santa Isabel, dentro da programa do Janeiro de Grandes Espetáculos, Edson e banda contaram com repertório de 50 faixas, maior parte de clássicos do século 20. “Infelizmente não posso me dar ao luxo de compor e tocar música que o povo não ouve, porque o frevo não toca nas rádios. Ainda mais agora, que a moda é jogar a músicas nas redes para ser viralizado. Ofim da Rozenblit representou o fim de uma casa que dava músicas novas ao carnaval do Recife a cada ano. Hoje, o cenário do frevo é triste”, declara o maestro. “Quando se joga novas músicas nas ruas, ninguém reconhece. O povo pula, desde a introdução, mas não surgem novos sucessos. Vamos supor que eu queria acabar com esse hiato e invisto em um disco com 10 ou 15 frevos. Será que vou resolver o problema?”, questiona, retoricamente.
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Consulado da RPCh no Recife tem nova cônsul-geral
Mergulho no Brasil é uma possibilidade para os turistas chineses
Cenas da China aparecem em meio ao barroco brasileiro e intrigam pesquisadores
Ao vivo no Marco Zero 09/02 - Carnaval do Recife 2024
Grupo Diario de Pernambuco