PANDEMIA

Pandemia altera relação dos profissionais de saúde com pacientes no Recife

Publicado em: 03/06/2020 15:15 | Atualizado em: 03/06/2020 15:20

A médica Valéria Lafayette e o maqueiro Luciano da Cunha estão entre os profissionais da linha de frente do combate ao novo coronavírus no município. (Foto: Léo Caldas/Divulgação)
A médica Valéria Lafayette e o maqueiro Luciano da Cunha estão entre os profissionais da linha de frente do combate ao novo coronavírus no município. (Foto: Léo Caldas/Divulgação)
"Quando tudo começou, lá em meados de março, eu trabalhava em UTI. A cada plantão eu tinha crises de ansiedade. Medo de ser contaminada, medo de contaminar minha família", confessa a médica cardiologista Valéria Lafayette, que coordena uma equipe no Hospital Provisório do Recife 2, no bairro dos Coelhos, na região central do Recife, uma das sete unidades de campanha criadas pela rede municipal para tratar os pacientes da Covid-19. A angústia de Raquel é compartilhada com mais quatro mil profissionais, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, maqueiros e demais categorias que atuam na linha de frente nos últimos dois meses. 

Convivendo diariamente com o risco de contaminação e observando os danos provocados pela doença que já vitimou mais de 30 mil pessoas em todo o país, os profissionais são alvos potenciais do coronavírus. Uma situação que gera uma série de inseguranças. "As pessoas, às vezes, esquecem que médico também é humano. Que a gente tem doença, que a gente tem família em casa. Minha esposa também é médica e está afastada, em casa, porque está grávida. Isso realmente dá um nó muito grande na nossa cabeça", explica o médico radiologista Felipe Aragão Félix, que tem ajudado no tratamento de pacientes no Hospital da Mulher do Recife, no Curado, na Zona Oeste do Recife

Diogo Rodrigues, fisioterapeuta do Hospital Provisório do Recife 1, na Rua da Aurora, sentiu na pele os sintomas da doença e a incerteza de estar infectado por uma enfermidade nova e ainda bastante desconhecida. E diz que não foi o único. "Não sei contar quantos conhecidos tiveram a Covid-19. Eu acreditava que já teria pego, porém assintomático. No entanto, um dia, o sintoma chegou.  Passei 14 dias de quarentena e os primeiros dias são realmente muito pesados. A gente sente o medo que o paciente sente lá do outro lado", revela.

A técnica de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Rebecka Carvalho passou pela mesma situação, só que "em dobro". Além dela, o marido, Cristiano Anselmo, que é condutor do Samu, também foi pego pelo coronavírus. "Foi um medo horrível, mas graças a Deus o nossos sintomas foram leves. Passamos os 15 dias isolados e logo depois a gente voltou a trabalhar. No início, eu ainda pensei em continuar longe dos meus filhos, mas, e se acontecesse alguma coisa comigo, eu não ia poder ver meus filhos pela última vez?", indagou. 

Rebecka acredita que a maioria da população já percebeu a gravidade da pandemia e a necessidade de praticar o isolamento social, mas vê que ainda há muita gente que não dá a devida atenção aos cuidados que devem ser tomados. "Eu nunca pensei em vivenciar o que a gente tá vivendo agora. Nem nos piores filmes de terror a gente poderia imaginar. Pessoas morrendo em nossa frente. É angustiante. E tem muitas pessoas que pensam que é mentira", dispara. 

Maqueiro do Hospital da Mulher do Recife, Luciano da Cunha mora no Ibura e se desloca para o trabalho de ônibus. Portanto, tem observado como tem sido o comportamento da população que ainda sai de casa. "A gente fica isolado de parentes, de amigos, porque a gente tem essa preocupação com eles. Essa doença não é brincadeira. Algumas pessoas não levam a sério até chegar ao ponto de um conhecido pegar e falecer", declara.

DOENÇA SOLITÁRIA
"O contato humano que esse paciente tem é conosco, sabe? E isso pesa muito. Eu acho que o lado da gente, além da assistência técnica, é atender à necessidade do paciente como pessoa", afirma o fisioterapeuta Diogo Rodrigues. Com a restrição de visitas aos pacientes infectados, a Covid-19 tem se mostrado uma doença solitária e os profissionais de saúde são os únicos autorizados a entrar em contato com os doentes. "Sabemos que temos que dar o melhor para o paciente. Porque a gente sabe que ali tem um pai, tem uma mãe, tem um filho. Tem uma família por trás", justifica a técnica de enfermagem Rebecka Carvalho.

O suporte emocional oferecido pelos profissionais de saúde aos pacientes tem feito com que eles percebam a importância de um atendimento mais humanizado no tratamento de doenças. "O Covid foi uma coisa que apareceu de uma hora pra outra pra mudar muita coisa na cabeça da gente", admite Diogo. Uma mudança que, mesmo em meio ao sufoco da luta contra uma epidemia, já tem se refletido agora.

"Se a gente deixar isso aqui, se a gente não levar pro futuro, quem mais vai perder somos nós mesmos. Então eu não acho que isso vai mudar depois, eu acho que isso já está mudando agora. A gente aprende muita coisa. Se a gente se colocar sempre no lugar deles, a gente consegue se aproximar mais e tratá-los da forma mais humana possível", desabafa a médica Valéria Lafayette.

Para conter o avanço da disseminação, o médio radiologista Felipe Aragão pede que as pessoas continuem evitando sair de casa. "Hoje, uma das coisas certas que se sabe é que ficar em casa ajuda a diminuir o contágio e a garantir vagas nos hospitais para que possamos tratar quem precisa. Não é uma solicitação minha, de algum diretor de hospital, ou do secretário de Saúde. É dos cientistas, de gente que está pesquisando sobre isso no mundo todo", ressalta.
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