CRIME AMBIENTAL

Brumadinho vive abalo emocional e bolha de crescimento econômico um ano após tragédia

Por: FolhaPress

Publicado em: 24/01/2020 07:52

 (Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros )
Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros
Um ano após o rompimento da Barragem B1, da Vale, em Brumadinho (MG), a mineradora já se recuperou. Alcançou o valor de mercado que tinha antes de 25 de janeiro de 2019, com ações negociadas a R$ 57.

Já Brumadinho não dá sinais de que a tragédia foi superada. E a reparação mora nos detalhes. Familiares das 270 vítimas (11 ainda não encontradas) pediram à Vale, por exemplo, que mude o uniforme dos trabalhadores da região e que pinte os ônibus terceirizados que levavam os funcionários de outra cor. 

Os veículos verdes, constantemente vistos pra lá e pra cá na cidade, despertam a lembrança de que seus parentes não vão mais chegar do trabalho. Novos ônibus com plotagem amarela e cinza já circulam no município. 

Aqueles que vivem o luto dizem que é como se as pessoas tivessem sido abduzidas da paisagem da cidade. Afirmam que Brumadinho perdeu a história, a cor, o aconchego, a alegria –não se pode mais andar por aí e cruzar com quem foi engolido pelos rejeitos da mineração. 
 
"Brumadinho vai demorar a se recuperar porque temos que cuidar da dor da gente e do outro", diz Natália Oliveira, 49, irmã de uma vítima. 

Se a depressão pela morte de familiares, amigos e vizinhos em grande proporção, numa cidade onde todo mundo conhece todo mundo, é a principal sequela, tampouco estão sanados os problemas dos bairros rurais vizinhos à lama. Moradores reclamam de insegurança e do abastecimento de água. 

Ao mesmo tempo, a zona central do município, aonde a lama não chegou, vive uma bolha apartada da realidade. Com o auxílio emergencial de um salário mínimo pago pela Vale para todos os cidadãos adultos, independentemente de terem sido atingidos ou não, o comércio se aqueceu. 

Os atingidos e os familiares dos mortos, por sua vez, receberam valores mais vultosos por indenizações de danos morais e materiais. Eles reclamam da exposição e dos riscos –todo mundo sabe na cidade quem é que recebeu o pagamento.

Além disso, o saldo de empregos é positivo: a Vale teve que contratar diversas empresas para obras de reparação, o que ampliou a oferta de trabalho. Nesse ambiente de artificial prosperidade, a população da cidade passou de 35 mil para cerca de 70 mil, numa estimativa endossada pela prefeitura.

O assunto pelas ruas é de que o dinheiro é gasto em futilidades: cerveja, carro e até plástica. "Há males que vêm para o bem" é uma frase que parentes de vítimas já escutaram até de colegas de trabalho. 

Eles se ressentem pelo fato de a Vale ser vista "como uma mãe" pela população beneficiada com o auxílio. "Ganhar dinheiro sem fazer nada é ótimo, mas a que preço eles ganharam isso?", questiona Josiana Resende, 31, que perdeu a irmã. 
Os moradores, no entanto, começam a reclamar do custo de vida, já que o preço da gasolina e do aluguel estão em alta. 

Hoje o auxílio emergencial, que também dá direito a meio salário mínimo para cada adolescente e 25% de um salário mínimo para cada criança, é pago para entre 93 mil e 98 mil pessoas, segundo a Vale.

A verba será paga por mais dez meses, mas a partir de janeiro será reduzida pela metade para bairros não atingidos diretamente. De 10 mil a 15 mil pessoas continuarão recebendo o auxílio integral. 

"Essa situação é temporária e nos preocupa", diz o superintendente de Finanças de Brumadinho, Edmar Pinto. "Há uma incerteza sobre o que vai acontecer com a economia do município daqui uns três anos."

A Vale destinou verbas para a saúde e assistência social do município, que reforçou o atendimento de psicólogos. Além disso, repassou R$ 20 milhões à cidade e mais cerca de R$ 3,3 milhões mensais, até completar R$ 80 milhões. O valor é uma estimativa do que a prefeitura vai deixar de arrecadar a cada mês com a atividade da mina suspensa. Com isso, Brumadinho quase dobrou sua receita em 2019. 

"Mas quando as ações de reparação acabarem, Brumadinho corre o risco de virar cidade dormitório. A Vale já está se distanciando. Mas ela tinha que entender que não está tendo a responsabilidade que deveria, ela arrasou o município", diz Pinto. 

Ele cobra não ações paliativas "para dar resposta à mídia e aos acionistas", mas a criação de alternativas econômicas de longo prazo, como a construção de polos industriais e melhores estradas de acesso. A extração na Mina Córrego do Feijão, que era a fonte maior de renda da cidade, não vai voltar —a Vale se comprometeu a desativá-la.

Já o turismo, que é uma das principais atividades da cidade por causa do Instituto Inhotim, não se recuperou plenamente: hoje o movimento é 60% do que era antes da tragédia. 
Na zona rural devastada pela lama, a paisagem se transformou em um ano. A área de rejeitos se tornou um grande canteiro de obras, com caminhões e tratores passando pelas ruas de terra a todo momento. O sossego acabou. 

As obras são para conter o espalhamento de rejeitos no rio Paraopeba, dar nova forma ao córrego do Feijão, que sumiu na lama, além de reconstruir pontes e acessos destruídos. Boa parte do estrago foi tampado por um muro levantado pela Vale ao redor da lama. 

No vilarejo Córrego do Feijão, de 600 habitantes, 27 pessoas morreram no rompimento e, depois dele, 50 famílias foram embora. A Vale fechou o posto de atendimento no local, alegando, segundo moradores, que a comunidade era violenta ao reivindicar seus pleitos. "Nós não vamos ficar calados", diz Jeferson Vieira, líder comunitário.

"A mercearia fechou, a praça está vazia, todo mundo faz tratamento psicológico, as estradas estão precárias, o bairro tem muita poeira e a gente não confia na água", enumera Vieira. A água vinha da mina e agora é providenciada pela Vale em caminhões-pipa e garrafas pet. 

As queixas são as mesmas do bairro Parque da Cachoeira, onde 60 casas foram invadidas pela lama e as fontes de água também foram prejudicadas. "A gente não tem um laudo dizendo que a água encanada é boa. Se é boa, por que a Vale distribui água?", questiona Adilson de Souza, líder do local. 

Os moradores reclamam de falta de segurança. Mais de cem famílias foram embora e as casas abandonadas são saqueadas. 

"Estamos abandonados pelo poder público e pela Vale", completa Souza, olhando com desconfiança para duas motos que passam pelo bairro. "O pessoal de fora começou a frequentar e a roubar."

Ezequias Souza, 50, e a mulher, Vanilda, foram embora para Contagem (MG). "Só tenho problemas. Agora gasto com transporte escolar, com aluguel de baias para os cavalos que eu criava aqui. O potrinho morreu", diz Vanilda. Ela ainda não foi indenizada pela Vale, mas seus vizinhos já.

A família de Cristina Melo, 37, também aguarda a indenização –um processo moroso. A principio, seus pais insistiram em permanecer na casa cujo quintal virou lama, mas ao se tornarem os últimos moradores do trecho final da rua, desistiram. 
 
"Meu pai está em depressão, é trator toda hora, a casa treme. A cada hora que a gente vai no quintal tem a memória de que não vai ser a mesma coisa", diz Melo.

O Ministério Público de Minas Gerais já ajuizou duas ações cobrando da Vale reparações sociais e ambientais e obteve o bloqueio de R$ 10 bilhões da mineradora. Também denunciou o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman e mais 15 por homicídio doloso. 

No âmbito desses processos, foram firmados acordos para que a Vale pague as indenizações, cuide dos animais desabrigados, pague estudos sobre a água, faça novas estações de captação e tratamento de água e revise a segurança das suas barragens. 

"Não vamos incorrer em erros do passado, vamos bloquear valores expressivos e não terceirizar a responsabilidade da Vale", diz a promotora Andressa Lanchotti, referindo-se à tragédia de Mariana (MG), de 2015, em que a Samarco criou outra entidade, a Renova, para fazer a reparação. 

"Vai levar ao menos 10 anos para recuperar os danos ambientais", prevê a promotora. Ela trabalha para que os atingidos tenham assessorias técnicas independentes custeadas pela Vale para estimar suas perdas e exigir indenização. O modelo deu certo em Mariana e deveria ter sido replicado a todo Vale do Rio Doce, mas empacou nos trâmites da Renova. 
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