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PESQUISA

Cientistas transformam sobra da produção da cerveja em biocombustíveis

Publicado em: 29/08/2022 07:41

 (Foto: Biotar (FEA-Unicamp)/Divulgação)
Foto: Biotar (FEA-Unicamp)/Divulgação
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), desenvolveram um projeto que pode dar outros destinos a rejeitos da indústria cervejeira, ao transformá-los, por exemplo, em biocombustíveis e em fertilizantes agrícolas. O projeto durou cerca de seis meses e foi realizado em parceria com uma unidade cervejeira, responsável pela doação dos resíduos sólidos. O estudo foi publicado no periódico internacional Journal Cleaner of Production. 

A pesquisa une o útil ao agradável. No Brasil, o hábito de consumir cerveja é cultural. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), em 2021, o setor produziu 14,65 bilhões de litros. Uma das matérias-primas da queridinha dos brasileiros é o malte, extraído da cevada. Depois do processo de fabricação,  sobram materiais não reaproveitados pelas indústrias, os resíduos sólidos. 

Geralmente, a indústria cervejeira doa os rejeitos orgânicos para a fabricação de ração animal ou os descarta em aterros sanitários. Ao invés do descarte, uma das alternativas encontradas pelos pesquisadores para a revalorização destes resíduos foi submetê-los à digestão anaeróbia — processo em que microrganismos decompõem a matéria orgânica e, em consequência, produzem biogás. No caso do bagaço, resíduo do malte, as bactérias produzem metano (CH4), que, por combustão, gera eletricidade e calor para uso no processo de fabricação da bebida.  

Os cientistas do Laboratório de Bioengenharia e Tratamento de Águas e Resíduos (Biotar) da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp desenvolveram um método que aumentou a concentração de metano de 29% para 56%. A técnica consiste em aplicar ultrassom no bagaço antes de sujeitá-lo à digestão anaeróbica (ver arte).

Luz Selene Buller, pesquisadora do pós-doutorado e membro do projeto, explicou que os rejeitos provenientes das fábricas de cerveja são lignocelulósicos, isto é, compostos de lignina, celulose e hemicelulose. "Esses componentes químicos apresentam paredes celulares resistentes, o que torna difícil aos  micorganismos quebrá-las e, assim, produzir o biogás", afirmou. Para que a decomposição da matéria orgânica ocorra, as bactérias e demais seres microscópicos devem penetrar a parede que reveste e protege as células.

Matéria orgânica
Os estudiosos resolveram o problema ao realizar um pré-tratamento na matéria orgânica. Segundo Buller, a técnica adotada foi o ultrassom, que possibilitou maior disponibilização de matéria orgânica. "A parede celular é quebrada por meio do ultrassom, e, assim, os microrganismos agem melhor e produzem mais biogás", disse. 

Por sua vez, Tânia Forster-Carneiro — professora da FEA e coordenadora do estudo — disse que, quando purificado, o metano passa a ser denominado biometano (ou biogás), um biocombustível com diversas aplicações. "Esse combustível pode ser usado no gás de cozinha, em veículos leves ou pesados e, dentro do nosso objeto de pesquisa, como matriz energética e térmica nas caldeiras das fábricas de cerveja", citou. 

A matéria orgânica restante obtida ao fim do tratamento também pode ser usada como biofertilizante para a produção agrícola. "Além de se apresentar como uma destinação ambientalmente correta para os resíduos sólidos, a técnica permite a revalorização do bagaço de malte para criar novos coprodutos na indústria cervejeira, além de fertilizantes para a agricultura", ressaltou a coordenadora do projeto.

Ambas as pesquisadoras destacam que ainda não é possível fazer uma previsão sobre quando o estudo deixará o laboratório e começará a ser usado pelas indústrias. Uma das barreiras é o alto custo do ultrassom. "O uso da tecnologia de ultrassom ainda é incipiente na indústria, visto os preços elevados e diversos gargalos para a aplicação industrial. Ela consome muita energia. Além disso, seria necessário alto investimento para adoção em grande escala", respondeu Buller.

No entanto, Forster-Carneiro expôs que a digestão anaeróbia é uma técnica bem estabelecida, com custos de produção razoáveis, e não requer processos complexos para a instalação nas indústrias. A pesquisadora ressalta que o tratamento de resíduos orgânicos é uma realidade no país, mas a geração local de eletricidade e de calor pela indústria cervejeira ainda é pouco comum. "No Brasil, por exemplo, a digestão anaeróbia é intensamente utilizada para tratamento de dejetos suínos, além da queima de biogás em motores estacionários, adotada para a geração local de energia elétrica", destacou.

O estudo obteve resultados satisfatórios, os quais indicaram que a eletricidade oriunda do biometano supriu 80% da eletricidade necessária para o pré-tratamento com ultrassom, aliado à digestão anaeróbia. Os dados demonstram que a indústria cervejeira tem potencial para reciclar os recursos usados na fabricação de bebidas. Luz Selene Buller aponta que a economia circular pode ser fortalecida dentro na indústria cervejeira. "É uma substituição das energias elétricas convencionais por uma fonte energética renovável e localmente gerada."
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