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CRÍTICA

'Até os Ossos' choca e emociona ao equilibrar horror de canibalismo com romance de amadurecimento

Publicado em: 01/12/2022 13:29

 (Filme dirigido por Luca Guadagnino (Me Chame pelo Seu Nome e Suspiria) tem Timothée Chalamet e Taylor Russell nos papéis principais. MGM/Divulgação.)
Filme dirigido por Luca Guadagnino (Me Chame pelo Seu Nome e Suspiria) tem Timothée Chalamet e Taylor Russell nos papéis principais. MGM/Divulgação.
Paisagens desoladoras de uma estrada sem fim representam ao mesmo tempo alguma liberdade e a mais trágica solidão para aqueles que, por mais que procurem, não encontram um lugar para chamar de lar. Esse é o caso de Maren (Taylor Russell), que, durante a década de 1980, aos 18 anos, não consegue mais controlar seu impulso canibal e é abandonada pelo pai à própria sorte, carregando consigo apenas alguns dólares, certidão de nascimento e uma gravação dele numa fita. Fugindo do estado de Maryland em busca de descobrir a verdade sobre sua mãe, sobre quem mal tem pistas, ela conhece Lee (Timothée Chalamet), também um ‘devorador’ – assim dito por eles –, já mais experiente e igualmente solitário. Juntos, os dois seguem viagem pelas rodovias e criam um laço romântico e sangrento que se fortalece a cada trecho do trajeto.

Até os ossos, em cartaz nos cinemas, é a adaptação do romance Bones & All, escrito por Camille DeAngelis, e, tal como na obra que lhe deu origem, utiliza o aspecto fantasioso e grotesco da história para falar de vícios, marginalização, adolescência à deriva e - talvez acima de tudo isso - o conflito de um amor construído em base considerada amoral. Dirigido por Luca Guadagnino, o projeto é um cruzamento estilístico e temático do romantismo contemplativo do seu aclamado Me chame pelo seu nome com o horror visceral da sua refilmagem de Suspiria. Há ainda relances da série We are who we are, criada pelo diretor, em que o assunto principal também girava em torno do amadurecimento e das angústias inerentes à adolescência.

Em seu primeiro longa passado e filmado em território norte-americano, Guadagnino se mostra fiel a um ideal tradicional de road movie (“filme de estrada”) com referências que vão de Bonnie e Clyde até A estrada. Mesmo com todas as peculiaridades do enredo, o roteiro assinado por David Kajganich não subverte a estrutura desse trajeto e faz, curiosamente, o trabalho formalmente mais abrangente da carreira do cineasta - o ritmo, afinal, é mais dinâmico do que o de Me chame pelo seu nome e o gore é mais controlado do que em Suspiria. A narração em off do pai da protagonista é um elemento expositivo apropriadamente convencional que ajuda a estabelecer profundidade à trama sem travar a narrativa principal e as duas atuações centrais, das quais toda a força de tudo aqui depende, transpõem para a tela tanto o lado totalmente relacionável de jovens em processo de autodescoberta quanto a estranheza animalesca da natureza canibal.

Auxiliado pela trilha melancólica e densa da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, Guadagnino lida com os dois registros principais de atmosfera (o romance e o terror) sem que eles se sobreponham ou se anulem, o que torna o efeito da violência profundamente impactante do ponto de vista dramático, ao exemplo da avassaladora cena de fechamento. Ainda que alguns obstáculos surjam de forma arbitrária e mal justificada, Até os ossos jamais perde de vista o conflito que sempre iria assombrar a jornada dos protagonistas: a tragédia de um amor cujos ingredientes são inseparáveis da trilha de sangue que deixam pelo caminho. Diante da condenação à falta de um horizonte possível nesses descampados da estrada, só resta a conformação de que o único lar possível é dentro do outro.
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