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FUNK

Na batida do pancadão: documentário expõe motivos do sucesso do funk

Publicado em: 09/09/2022 08:17

 (Foto: HBO Max/Divulgação)
Foto: HBO Max/Divulgação
Tambores ancestrais africanos se uniram às batidas eletrônicas de Miami para servir de pano de fundo aos moradores da favela que, cansados de apenas ouvir, também queriam falar. Munidos de um discurso sobre questões sociais e com a libido à flor da pele, os MCs empunharam o microfone para mostrar o Brasil ao “Brazil”. Assim nasceu o funk, que, como o samba antes dele, sofreu resistência e preconceito para, tão logo, se alastrar e tornar-se pedra fundamental da cultura brasileira.

As vielas da comunidade, que ecoavam a batida dos pancadões, ficaram pequenas. Logo, as avenidas das capitais passaram a se embalar ao som do funk. De repente, o Brasil, tomado pelo som, já não era suficiente. Anitta, com ambição e visão, revestiu a música pop daquele ritmo que tanto ouviu na infância e mostrou ao mundo que o Brasil pulsa a 150 batimentos por minuto. “Eu apresentei um ritmo que, por muitos anos, foi considerado um crime. Eu fui criada na favela e, por muitos anos, não imaginamos que isso seria possível”, disse a cantora, enquanto erguia a estatueta de uma das maiores premiações internacionais de música. A rica história, por tanto tempo mal vista, precisa ser revisitada e contada com propriedade. E o Funk.doc, dirigido por Luiz Bolognesi, assim o faz.

O herdeiro do samba?
 
“Um movimento dos afrodescendentes, moradores da quebrada que faz uma revolução a partir da cultura”, diz Luiz Bolognesi sobre o funk. Porém, o documentarista, responsável pela série da HBO Max Funk.doc: popular & proibido, poderia estar falando de qualquer outro movimento negro historicamente conhecido do Brasil. Segundo o cineasta, do samba ao black Rio, do candomblé a capoeira, todos sofreram para serem aceitos pelo público como cultura por serem movimentos vindos de povos marginalizados. “O que vem de pretos da periferia desse país, é sempre tratado como caso de polícia”, critica Bolognesi.

Foi dessa vontade de entender como funcionava esse gênero, que fazia todo mundo se mexer, mas que tinha letras por vezes explícitas, misóginas, machistas e sexistas, que Luiz investiu sete anos de estudo no documentário que está liberando episódios semanais na plataforma HBO Max. “O processo foi mais ou menos o seguinte, eu me encantei com as músicas e fiquei chocado com algumas letras, que me pareciam um pouco misóginas e que realmente são. Então fui fazendo perguntas para eles e entendendo o processo”, lembra.

Dessa forma, conforme entrevistava MCs, dançarinos, Djs e especialistas, o documentarista foi se despindo dos próprios preconceitos. “O funk sofre preconceito por dois motivos básicos. Um: o Brasil é racista; dois: o Brasil é classista”, diz o pesquisador, que acredita que a melhor forma de mostrar o funk é por meio da fala de quem faz a música. “O que a nossa série quer fazer, é dar voz para que eles mesmos enxerguem essa potência, falem sobre essa perseguição e mostrem a beleza e a força do funk, além do lugar extraordinário a que ele está chegando como vetor econômico, como indústria gigantesca”, complementa.

Apesar de exaltar esse movimento, Bolognesi assume que o teor das letras nem sempre é respeitoso com as mulheres. No entanto, para ele é um reflexo do contexto. “O Brasil é misógino, sexista e machista. Você está em um ônibus, o ambiente é machista. Você está em uma empresa, o ambiente é machista. O governo e o Congresso também são machistas, então por que não vai haver machismo no funk?”, questiona. “Agora, querer reduzir o funk a machismo, é sacanagem. Porque o machismo está em todo lugar e o funk vai muito além, organiza uma voz de resistência”, adiciona. Luiz ainda dá o contraponto ao feminismo de cantoras do gênero. “As mulheres do funk como Valesca Popozuda, Rebecca, Ludmilla e Anitta falam sobre empoderamento feminino como nenhuma intelectual branca consegue. São aulas de sexualidade para o país”, conclui.

Luiz vê a mistura de um bom ritmo, com a diversidade de públicos e uma entrada no mercado mainstream, como a chave do sucesso nacional e internacional do funk. “É uma cultura muito forte, como foi o samba e capoeira. Que por meio do movimento do tambor, organiza a própria resistência. Ele minou e entrou por dentro do inimigo. A elite econômica brasileira ouve funk, os jovens ouvem, o gênero tomou conta do TikTok. Cada vez se vê mais crianças e adolescentes, cortando o cabelo e sobrancelha igual os funkeiros, usar as mesmas roupas. Isso vem tudo da periferia”, explica. “Os afrodescendentes e indígenas aprenderam durante séculos que não dá para enfrentar o poder da branquitude batendo de frente. É conquistar por dentro, pelos corações e mentes da branquitude. É o que o funk faz. Ele vai entrando e quando vê tem igreja evangélica fazendo funk gospel, sertanejo funk, o agro está dançando funk”, finaliza.

Pelos olhos de quem faz
 
O estudo é importante, contudo a palavra da vivência diz muito sobre como o funk é uma ferramenta social para jovens de todo país hoje. O paulista MC Hariel é um exemplo. Com a morte precoce do pai, teve que começar a trabalhar para ajudar a família aos 12 anos. Entregou pizza, foi office boy e lavou carro para ajudar a mãe. Foi com o funk que conseguiu achar uma forma para mudar de vida e hoje, como ele diz no título do último álbum que lançou em maio: Mundão girou. Ele tem mais de 4 milhões de ouvintes mensais e, como arrimo de família, mudou completamente de realidade.

“No momento que o funk entrou na minha vida, mudou tudo. O funk me proporcionou colocar uma caixa d’água em casa e tomar banho a hora que eu quisesse, coisa que não tem preço. Uma Gucci ou uma Ferrari não valem tanto”, recorda o artista. Ele vê o funk como uma grande chave para abrir portas que as pessoas da mesma quebrada que eles não tiveram. “Eu to ali para representar uma parcela que se não tivesse em cima do palco não seria nem bem-vinda”, clama em entrevista ao Correio.

Porém, para chegar onde chegou precisou primeiro entrar, tentar cantar. Ele só conseguiu, porque, segundo ele, o funk aceita a todos e é um ritmo plural e simples. “O que me levou para o funk foi ver todo o contexto social que aquilo envolvia, nem nós mesmos entendíamos que aquilo era um movimento social, de inclusão e diversidade pura e genuína”, afirma Hariel. “Antes de todos esses assuntos serem discutidos, o funk já abria os braços para todo mundo. Não tenho um violão, mas só de bater palma já posso ser funkeiro”, acrescenta.

Ele não teve muito contato com pai, mas viu o patriarca compor e cantar músicas em uma banda de canções latinoamericanas. Ele não seguiu o mesmo gênero musical do pai, mas se achou igualmente. “Eu nasci para fazer isso mesmo, para fazer música, fazer funk. Mas o que aparecer para mim eu faço, me interesso por criar”, conta e ainda adiciona que nada é melhor para ele do que estar em casa, onde tudo começou. “Eu corri, conquistei o mundo e, ainda assim, o lugar que eu mais sou feliz é a quebradinha que eu nasci, com muita gente humilde. Eu me sinto melhor que em qualquer lugar do mundo”, comenta.

Assim ele continua, seguindo os passos das próprias referências e tentando ser espelho para que outros consigam enxergar nele um futuro mais próspero. “Não quero ver outros molecotes, que por qualquer razão estão sem perspectiva. Meninos e meninas que acabaram de perder um ente querido, ou que precisam trabalhar para ajudar a mãe. Esses menores que perdem a infância, que só querem saber das notas se forem de 100, se forem as laranjinhas da onça”, fala. “O que me inspira até hoje é retribuir tudo aquilo que o funk me deu. Quero levar para outro o que o funk trouxe para a minha vida”, encerra.
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