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CRÍTICA

'Men: Faces do medo' explora a perpetuação da masculinidade tóxica em alegoria surrealista e grotesca

Publicado em: 06/09/2022 11:42

 (Filme de terror é dirigido por Alex Garland, de Ex Machina e Aniquilação, em seu trabalho mais polêmico e divisivo até o momento. A24/Divulgação.)
Filme de terror é dirigido por Alex Garland, de Ex Machina e Aniquilação, em seu trabalho mais polêmico e divisivo até o momento. A24/Divulgação.
Um longo e tortuoso pesadelo está longe de ter acabado para Harper (Jessie Buckley), que viu o relacionamento abusivo pelo qual vinha passando terminar em tragédia. Instantes antes de pular da cobertura do prédio, seu marido ameaçou que o faria caso ela fosse adiante com o divórcio, deixando clara com palavras a intenção de culpá-la pelo resto da vida. Na busca pela cura desse trauma, ela aluga uma casa em um vilarejo remoto no interior da Inglaterra, onde sente a possibilidade de reconexão consigo mesma e, por tabela, com a natureza. Não demora muito, no entanto, para que a protagonista e o espectador percebam algo de errado naquele lugar - especialmente nos homens da região, que parecem persegui-la por todos os lados.

O que faz toda a diferença na criação do isolamento opressivo de Harper em Men: Faces do medo, que estreia na quinta e tem sessão de pré-estreia amanhã, é o fato de todos os personagens masculinos que surgem no vilarejo serem interpretados pela mesma pessoa (Rory Kinnear). Através de maquiagem e ocasionais efeitos visuais, o ator encarna as múltiplas personificações de toxicidade masculina esquivando-se do exibicionismo performático e aproveitando o humor sarcástico inerente a esse conceito, do qual interpretação literal inequívoca se resume a “todos os homens são iguais”.

Conhecido por híbridos de ficção científica com terror psicológico, o diretor e roteirista Alex Garland (Ex Machina e Aniquilação) vem se especializando em atmosferas convidativas, verdes e paradisíacas que paulatinamente tornam-se ameaçadoras, materializando a perturbação interna dos personagens. No caso deste seu terceiro longa, o cineasta abandona a aproximação cerebral com a ficção científica para criar um terror alegórico de estrutura quase experimental, movido mais pela sensação prolongada de desconforto e menos por uma trama de acontecimentos objetivos. A ciência e tecnologia que marcaram seus filmes anteriores se convertem, desta vez, em elementos surrealistas do folclore britânico e até analogias bíblicas, o que, do ponto de vista temático, o coloca mais emparelhado com os controversos Anticristo, de Lars von Trier, e Mãe!, de Darren Aronofsky, do que com os demais filmes de Alex Garland.

A simbologia social de Men é assumidamente desprovida de qualquer sutileza e seu comentário acerca das distintas representações do patriarcado (a figura do policial, do padre, do adolescente, entre outros), embora sempre oportuno, não traz a epifania que a sofisticação visual e sonora do diretor pode fazer parecer. Ainda assim, o debate sobre a masculinidade tóxica ganha vigor na forma como Alex Garland lida com a culpabilização feminina feita por homens que, segundo o filme, carregam ancestralidade de violência e misoginia cuja manifestação não encontra mais lugar num contexto mundial em desconstrução - um tópico particularmente ilustrado numa das sequências finais mais grotescas e inesperadas que se poderia imaginar.

O maior mérito de Men, no entanto, é explorar imageticamente esses símbolos priorizando o impacto sensorial. Na intercalação entre as cenas do presente e os flashbacks das discussões de Harper com o falecido marido, o terror ganha uma força poderosa de conexão do espectador com a culpa da protagonista, fazendo o assunto sair da pura explanação e ganhar concretude. Se não é (e dificilmente poderia ser) uma visão profunda sobre a experiência feminina num mundo sexista, funciona como um bizarro e inquietante exercício de gênero.

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