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CRÍTICA

'A Mulher Rei', com Viola Davis, conserva o drama e a caracterização sem abrir mão do entretenimento

Publicado em: 22/09/2022 14:23 | Atualizado em: 22/09/2022 14:51

 (Filme dirigido por Gina Prince-Bythewood se tornou a segunda maior bilheteria de estreia de uma cineasta negra. Divulgação/Sony. )
Filme dirigido por Gina Prince-Bythewood se tornou a segunda maior bilheteria de estreia de uma cineasta negra. Divulgação/Sony.
O épico enquanto gênero cinematográfico e como adjetivo sinônimo de grandiosidade atravessa a história da sétima arte desde a sua popularização como um mundo da imersão no espetáculo. A centralização da jornada épica hollywoodiana nos enredos bíblicos, grandes jornadas mitológicas e históricas, no entanto, só deu conta da versão ocidental e masculina dos enredos e sempre tratou povos fora desse eixo, em maior ou menor grau, como artifícios narrativos para auxiliar no trajeto do protagonismo branco. Passados mais de 130 anos de cinema, o gênero ganha uma nova vida com A mulher rei, em cartaz.

O filme se passa no Oeste da África durante meados do século 19 e acompanha um grupo de guerreiras responsáveis pela proteção do Reino de Dahomey tanto de colonizadores europeus como de tribos rivais. Nanisca (Viola Davis), personagem ficcional, é a general desse exército feminino conhecido como Agojie - também chamadas pelos brancos de Amazonas -, e tenta convencer o rei (Jon Boyega) a substituir o trabalho escravo do reino pela produção de azeite de dendê, mas a chegada de portugueses na região e as negociações mal sucedidas com o escravista Império Oyo levam as Agojie para a luta pela liberdade de seu povo.

Produzido pela própria Viola Davis e dirigido por Gina Prince-Bythewood (The old guard), A mulher rei está menos interessado no retrato histórico fidedigno e mais na reconfiguração do épico a partir do prisma feminino. As licenças no tratamento dos Dahomey, por exemplo, que já eram escravistas muito antes da chegada dos europeus, são refletidas na forma como o filme utiliza a protagonista inventada como veículo de atualização e revisionismo; uma maneira funcional de exprimir que aquelas questões estavam ali sem necessariamente atribuir responsabilidades.

Naturalmente, a presença de uma atriz do calibre de Davis (que passou por uma grande transformação física para encarnar o papel) eleva a conexão emocional do público e, justiça seja feita, o roteiro não deixa todo o trabalho para ela e constrói um passado dramático suficientemente verossímil para a personagem. Ainda assim, fica a sensação parcial de que A mulher rei teria evitado polêmicas - tendo em vista o delicado teor escravocrata dos fatos - se tivesse abraçado a ficção desde o princípio e elaborasse a própria história, usando o factual apenas como base iconográfica.

É inútil, porém, especular sobre o inexistente e, felizmente, o que falta de historiografia no filme sobra em competência formal e dramática. Hábil ao trazer a escala das grandes batalhas para o íntimo - criando sequências de ação equilibradas entre a brutalidade e a pasteurização -, Gina Prince-Bythewood não tenta reinventar o esqueleto do gênero e os arcos do líder e do pupilo (aqui representado por Thuso Mbedu, uma revelação) e encontra o tempo necessário para estabelecer as relações do espectador com cada uma das personagens centrais. Mas o que impressiona mesmo em A mulher rei é a autenticidade cultural com que apresenta essas mulheres para a plateia, dando textura, cor e vida a cada elemento da direção de arte e das cerimônias. Sem subverter a estrutura épica que sempre pertenceu a outras vozes, a diretora universaliza a jornada que decide contar e convida o público a participar dela como se estivesse redescobrindo o cinema de ação. Mais do que contar história, isso é fazer história.
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