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LUTO

Geraldo Pinho lutou por um Recife de cinema acessível e plural

Publicado em: 09/11/2021 19:01

Geraldo Pinho teve trajetória marcada por conseguir movimentar cinemas de rua do Recife (Bernardo Danta/DP/D.A PRESS)
Geraldo Pinho teve trajetória marcada por conseguir movimentar cinemas de rua do Recife (Bernardo Danta/DP/D.A PRESS)
Um garoto que devorava gibis nos anos 1950 entrou em uma sala de cinema e ficou sem entender o que estava acontecendo. Fascinado, mas incrédulo, queria descobrir onde estavam escondidos aqueles carros, prédios e pessoas que viu na tela. Descobriu uma maquininha que guardava isso tudo e transformava em luz, se apaixonando por ela. Dali em diante, esse menino se dedicou a espalhar esse mesmo encanto por onde passava. Revelou mais carros, prédios e pessoas durante toda sua vida, dos cineclubes ao seu último lar cinematográfico, o Cinema São Luiz, por meio do qual continuou sua luta de décadas para tornar o centro do Recife um lugar de vivências e trocas culturais e afetivas

Ao partir nesta terça-feira (9), aos 70 anos, apenas um a mais em relação ao lar que cuidou tão bem desde 2010, Geraldo Pinho já era parte fundamental da memória e da existência do cinema e da cinefilia pernambucana e se imortaliza por meio do amor que dedicou àquela máquina que continua a transformar o mundo em luz, assim como ele teimou em usá-la de forma cada vez mais plural e acessível no coração da cidade. 

Frequentador assíduo dos cinemas do centro, em especial o extinto Coliseu, Geraldo se empenhou nos estudos sobre as técnicas de projeção, passando por cursos como um realizado pela também extinta Empresa Brasileira de Cinema (Embrafilme) e colocando em prática seus conhecimentos nos cineclubes que frequentava, se especializando em 16mm. Se formou como gráfico e chegou a trabalhar por quase 30 anos na Imprensa Oficial, levando em paralelo às atividades cinematográficas, juntando dinheiro para poder comprar projetores, por exemplo.

Em 1993, veio o convite para ser programador do cinema do Teatro do Parque, foco de resistência em um período em que o desmantelamento dos cinemas de rua do centro já acontecia. Foi sob sua administração que o espaço virou referência de acessibilidade, sobretudo com o longevo e popular “cinema por R$ 1”. Por lá, viu as salas passarem dos projetores de carvão aos de xenon e os sistemas de som se modernizarem, gerenciando também o Cinema Apolo. Ficou por lá até 2002 e, no ano seguinte, passou a ser coordenador do Museu da Imagem e Som de Pernambuco (Mispe) e em 2010 foi convidado para treinar a equipe da reabertura do Cinema São Luiz e logo assumiu o posto de programador definitivo, em 2011, quando o espaço passa a ser gerido pelo Governo de Pernambuco. 

Durante o período, o São Luiz se consolidou ainda mais como palco do cinema pernambucano. Em sua programação, Pinho garantia um grande espaço para o cinema local e nacional, assim como produções independentes. O cinema da Rua da Aurora também abrigou os mais diversos e plurais festivais, como o Janela Internacional de Cinema do Recife, o Festival de Cinema de Diversidade Sexual e de Gênero (Recifest), o Festival Internacional de Animação de Pernambuco (Animage), VerOuvindo: Festival de Filmes com Acessibilidade Comunicacional e vários outras iniciativas que reforçam um caráter de um audiovisual que segue por caminhos cada vez mais democráticos. 

Em março de 2020, o Cinema São Luiz fechou as portas por conta da pandemia do coronavírus. Poucos dias depois, seus letreiros vermelhos exibiam os recados “Cuidem-se” e “Em breve estaremos juntos”, tendo Pinho como um dos responsáveis por essa iniciativa. O “em breve” ainda não chegou e as expectativas de reabertura do cinema são para janeiro de 2022. Mas quando ele chegar, vale a pena olhar com carinho para cada cantinho dele e lembrar de Geraldo e sua luta para torná-lo em um dos lugares mais vivos do Recife. 
 
 
Despedidas 
 
Por João Rêgo 
 
Nomes do cinema e da cultura pernambucana lamentaram a partida de Geraldo nesta terça-feira. O cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor do Janela Internacional de Cinema do Recife, abrigado no São Luiz de Pinho, classificou a perda como “devastadora para o audiovisual pernambucano”. 

“Ele programava filmes, lutava pelo acesso democrático às imagens de todo o mundo e do Cinema de Pernambuco. Eu aprendi com ele o que significa “formar público” ao ser eu mesmo parte de um público formado por ele e de ele sempre responder generosamente minhas perguntas sobre “como funciona”, perguntas feitas desde os anos 90 no Cinema do Parque e no Cinema São Luiz. Geraldo fazia isso com dois elementos essenciais para trabalhar com Cultura no Brasil e em Pernambuco: firmeza e um incrível jogo de cintura. Sem isso, o São Luiz não seria o lugar espetacular que é, um equipamento público de referência no trabalho e nos resultados práticos que, para além de números, são alicerces sólidos”, declarou o cineasta. 
 

Ernesto Barros, crítico e curador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, também lamentou a perda, destacando sua luta e sua generosidade. “Como tantos amantes do cinema, também aprendi muito com Geraldo. Ele foi uma chama em defesa do bom cinema e de respeito às "catedrais" que cuidou também, como o Cinema do Parque, o Cinema Apolo e o Cinema São Luiz. Geraldo era de uma generosidade ímpar. Sua simplicidade e contagiante amor ao cinema criaram em torno dele uma aura de boa vontade e gentileza. Suas três décadas de trabalho nessas salas e no Mispe marcaram profundamente a geração atual do audiovisual pernambucano”, afirmou.

Já Ana Farache, coordenadora da Cinemateca Pernambucana destacou sua grande aptidão em gerenciar equipamentos culturais. “Ele tinha consciência de que uma sala de cinema deveria ter personalidade e contribuir com a formação do seu público. Além de grande profissional, foi uma pessoa generosa e que nunca deixou de atender aos que lhe procuravam. Geraldo deixa um vazio enorme na nossa cultura, especialmente no setor do audiovisual pernambucano”, comentou.

O presidente da Fundarpe, Marcelo Canuto, comentou sobre a importância da presença e do trabalho de Geraldo Pinho para o São Luiz. "Ele sempre foi nossa referência, entendia muito da parte técnica de como operar um cinema, além de ser um profundo conhecedor da produção audiovisual do Brasil e ser um importante interlocutor de quem fazia parte da cadeia produtiva do cinema. Lamento demais sua morte e expresso meu pesar aos familiares. Sou muito grato pelo tempo que ele dedicou, não só ao cinema como à cultura pernambucana".
 
Em nota divulgada pela Secult-PE, o secretário Estadual de Cultura, Gilberto Freyre Neto, afirma que “Geraldo Pinho foi um incansável trabalhador da gestão pública da área de Cultura do Estado e o sucesso de público no São Luiz mostra sua dedicação e esforço para sempre dar a melhor programação que o cinema poderia exibir. Desejo todo conforto aos familiares".
  

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